A recente aprovação pela Câmara dos Deputados Câmara dos Deputados do Projeto de Lei n° 2.401/19, que cria o homeschooling, termo usado para descrever o ensino domiciliar, acende um alerta importante e coloca-nos diante de necessárias reflexões.
Embora prática distinta a esse modelo, a implantação do ensino remoto como estratégia educacional ao longo da pandemia reacendeu a discussão sobre o homeschooling, quando na verdade deveria tê-la encerrado. Duas das questões mais claras impostas à sociedade ao longo da pandemia da Covid-19 foram a dificuldade das famílias no apoio ao processo educacional e a importância da escola e do educador, causando como resultado um impacto profundo no processo de aprendizagem.
Numa sociedade extremamente desigual como a nossa, com um processo de exclusão social perverso e intenso que impõe a milhões de famílias dilemas cotidianos como “subcidadãos”, que submete as minorias a preconceitos e privação de direitos fundamentais, em que mais da metade da população vive com algum grau de insegurança alimentar, segundo dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) de 2020, pautar e implementar o homeschooling como política pública interessa a quem? Transferir a educação formal para a família é o caminho para a educação do país? Seria uma reação conservadora a necessária a implantação de uma educação pautada na cultura da diferença? E as pessoas com deficiência? São algumas das perguntas que precisamos fazer.
A escola tem um papel fundamental como espaço de socialização, de múltiplos saberes e práticas, de encontro e promoção das diferenças e na construção de uma sociedade de oportunidades. Sua função não é apenas transmitir conteúdo, mas também ser motor da educação que gera transformação social e produz cidadãos críticos e capazes de construir uma sociedade mais justa.
A escola deve ser o palco de uma educação inclusiva, equitativa e acolhedora para todos. Ela tem o potencial de ser mediadora de uma necessária rede de serviços e apoios, como os desenvolvidos pelas Apaes, para que as pessoas com deficiência tenham não somente um percurso escolar, mas também condições de uma vida digna. Um olhar centrado no sujeito e suas necessidades para moldar modelos educacionais, e não o contrário, em que o tradicionalismo tenta encaixar os indivíduos nos sistemas.
Esse é o caminho mais apropriado que estamos percorrendo a duras penas. Propostas como a do homeschooling podem representar uma perigosa alternativa que esvazia o necessário debate sobre o fortalecimento do processo de inclusão escolar. A fuga de uma escola e de uma educação que ainda não consegue apresentar todas as respostas e oferecer um ambiente inclusivo não é uma boa direção a seguir.
Ademais, a singularidade do ambiente domiciliar jamais será capaz de produzir um espaço de interações coletivas diversas tão essencial numa dinâmica social balizada pela alteridade e para as pessoas com deficiência que durante décadas tiveram justamente a casa como único espaço.
Diante disso, o homeschooling pode se apresentar como um perigoso retrocesso na luta por visibilidade para as pessoas com deficiência e na construção de uma sociedade inclusiva e de direitos, por representar uma tentadora oportunidade para aqueles que visualizam esses sujeitos como estorvos de legitimar a escuridão do isolamento como o locus dessas pessoas.
Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.