Encerrado o primeiro dia de provas do Enem 2022, aproximadamente 2,5 milhões de estudantes de todo o país se submeteram ao exame que pode garantir uma vaga em uma instituição de ensino superior. Com 3,4 milhões de inscritos, este foi o segundo menor Enem desde 2005.
A criação nas últimas duas décadas de programas como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e o Programa Universidade para Todos (Prouni), bem como a implementação do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), certamente contribuíram para a popularização do exame. No entanto, não há dúvidas de que há algo para além dos problemas recentes de infraestrutura, logística e brigas políticas que nos convida para uma reflexão mais profunda. Vale a pergunta: o modelo de avaliação proposto dialoga com o século XXI e suas demandas?
Uma parte dos quase 27% dos inscritos que não compareceram ao primeiro dia de prova se atrasou e não pode entrar. A cena clássica do candidato chorando comove uns e deixa outros certos de que é um preço a pagar pela falta de pontualidade. Mas também há os que não puderam chegar ao local da prova por limitações de transporte, doença ou qualquer tipo de intercorrência que estava além de seu controle.
Por outro lado, havia aqueles que estavam lá no dia e hora marcados, mas diante de tanta pressão não puderam mostrar seu melhor desempenho nas cinco horas e meia que tinham a seu dispor. Vale observar que se o candidato reservar 1h10 para escrever a redação, restam-lhe apenas 2 minutos para resolver cada uma das demais questões da prova. Quais são os critérios para a seleção do melhor candidato a entrar em um curso universitário? Acumulação de um saber enciclopédico e memorização em um mundo em que as informações estão disponíveis ao toque de um dedo? Resistência física e mental demonstradas em duas manhãs de aproximadamente cinco horas cada?
Não precisamos reinventar a roda, mas se olharmos para países em que a educação é levada a sério, seleção por meio de um sistema que contempla resultados em provas de proficiência com análise de histórico acadêmico, cartas de recomendação e entrevistas com recrutadores não é novidade. Sim, recrutadores.
Nos Estados Unidos, por exemplo, entrar em uma universidade não é muito diferente de iniciar um emprego. Em um processo mútuo de seleção em que o aluno elabora um rol de universidades para se candidatar e, ao ser selecionado, precisa mostrar suas habilidades e competências múltiplas, além de um desempenho acadêmico dentro das expectativas de cada instituição, o candidato deve mostrar de que forma se diferencia dos demais. Teve alguma iniciativa empreendedora ou inovadora ao longo do Ensino Médio? Engajou-se em algum programa comunitário? Possui algum interesse ou aptidão pessoal que pode agregar ao ambiente acadêmico?
Felizmente, iniciativas inovadoras para nós no Brasil começaram a surgir em nosso país. Faculdades como a Link School of Business e o Instituto de Tecnologia e Liderança (Inteli) em São Paulo já adotaram as boas práticas já testadas e validadas no Ensino Médio. Para além da seleção, ambas as instituições abraçaram como metodologia a aprendizagem por projetos. Em recente visita a ambas as instituições, pude acompanhar como os alunos utilizam os ambientes colaborativos para exercerem o protagonismo real que transborda dos currículos dessas instituições.
Na Link, por exemplo, durante a recepção de nosso time, bebemos água de uma startup criada por alunos da instituição. Já na Inteli, conhecemos como estruturam todo o eixo de currículo em projetos que visam atender a demandas do mercado. Segundo André Esteves, Senior Partner do BTG Pactual e um dos fundadores da Inteli, a instituição é a primeira faculdade de tecnologia baseada em projetos no Brasil, e pretende formar futuros líderes. Para isso, oferece um ensino que vai além da computação, integrando ao currículo disciplinas como empreendedorismo, economia de mercado, estado de direito e sustentabilidade. Será que essas habilidades e competências são avaliadas pelo Enem?
Da mesma forma que faculdades mais inovadoras no país estão atentas às demandas dos novos tempos, a educação básica precisa se mover para um modelo de currículo que rompe as amarras da repetição e checagem de “conteúdos”. A ciência da pedagogia já comprovou que alunos aprendem mais e de forma definitiva quando ocupam uma posição ativa em relação ao que estão estudando. Sabemos que conteúdos são transitórios e que estão disponíveis em diferentes meios para serem “adquiridos”. Fazer a curadoria destes e aplicá-los de forma colaborativa e significativa é o grande desafio da educação.
Cursos intensivos e apostilas podem preparar os alunos para uma prova, por mais extenuante que seja. Mas somente a vivência na prática pedagógica diária de uma metodologia que fomente colaboração, resiliência, inovação e empreendedorismo será capaz de colocar na universidade um aluno que esteja preparado para lidar com os desafios do século XXI. E vale lembrar que estamos quase completando um quarto de século.
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