Quando os grandes terremoto e tsunami, juntamente com o acidente nuclear de 2011, atingiram o Nordeste do Japão, eu, Ivana, pesquisadora, arquiteta e urbanista capixaba, estava morando no país. Por meio de uma extensão universitária, acompanhei de perto a regeneração urbana de uma das áreas afetadas, especificamente Shibitachi, uma pequena comunidade de pescadores.
Esse trabalho resultou em meu doutorado em Regeneração Urbana Pós-Desastres pela Universidade de Tóquio, onde vi a filosofia Building Back Better (BBB) sendo aplicada na prática. A experiência revelou lições valiosas sobre a recuperação pós-desastre, embora ainda haja grandes desafios a serem superados.
Essas lições podem oferecer caminhos preciosos para o Rio Grande do Sul e outros estados brasileiros, incluindo o Espírito Santo, que enfrentam dificuldades semelhantes em seus esforços de reconstrução após os recentes desastres.
A experiência em Shibitachi mostra que a recuperação pós-desastre não deve ser focada apenas na resposta e recuperação, mas principalmente em um planejamento que envolva prevenção, preparo e mitigação em seu processo.
Estabelecer uma cultura de prevenção é fundamental para estar preparado e minimizar os impactos de futuros desastres. No Brasil, tanto o governo quanto as comunidades locais devem trabalhar juntos para desenvolver estratégias eficazes que integrem ações de cima para baixo (do governo) e de baixo para cima (das comunidades).
No Japão, a cultura de gestão comunitária de risco de desastres foi implementada com o conceito de machizukuri. Esse conceito estabelece o protagonismo comunitário nos caminhos de reconstrução das localidades, empoderando comunidades e atribuindo responsabilidades a atores locais para discutir e monitorar as ações das políticas públicas de reconstrução, assim como ações da própria comunidade durante o processo pós desastre.
Em Shibitachi, a existência de um plano de contingência comunitário foi essencial para salvar vidas e acelerar o processo das ações após o desastre. No Rio Grande do Sul, Espírito Santo e outros estados brasileiros, é essencial que as comunidades locais se organizem e criem planos de contingência específicos para suas áreas de risco. Essas iniciativas devem ser discutidas e conectadas com as ações governamentais para garantir uma resposta coordenada e eficaz.
Após a estabilização dos impactos de grande terremoto em Shibitachi, moradores e pesquisadores documentaram perdas e danos e ainda resgataram a memória local, contribuindo com o processo de recuperação. No Brasil, o mapeamento detalhado dos danos é igualmente relevante. Identificar áreas mais afetadas e entender a extensão dos danos permite um planejamento mais organizado e eficiente, além de garantir que recursos sejam alocados de forma mais equitativa e eficaz. Esse processo deve envolver tanto as autoridades governamentais quanto as comunidades locais, para garantir que as áreas afetadas sejam devidamente consideradas.
Em Shibitachi, traçar a “linha do tsunami”, identificar edificações colapsadas e gargalos que impediram a fuga após a emissão dos alertas foram fundamentais para identificar estratégias, tecnologias construtivas adequadas e terras mais seguras para o planejamento do processo de recuperação.
No Brasil, essa abordagem pode ser aplicada mitigando ou evitando a reconstrução em áreas vulneráveis. A implementação de zonas de segurança e a reconstrução de infraestruturas em áreas menos propensas a desastres são passos essenciais para minimizar futuros riscos. Essas medidas devem ser promovidas por políticas públicas que incentivem práticas de construção seguras e sustentáveis, que envolvam as comunidades ameaçadas, através da participação nas ações de planejamento.
O rápido reestabelecimento dos sistemas essenciais no Japão como mobilidade e transporte é uma estratégia eficaz. No Rio Grande do Sul, Espírito Santo e outros estados, a restauração de infraestrutura vital, como estradas, pontes e redes de energia, deve ser priorizada para garantir que as comunidades possam se reorganizar e iniciar o processo de recuperação.
A agilidade desses serviços é fundamental para a retomada das atividades econômicas e para o fortalecimento dos moradores. Governos locais e estaduais devem garantir que os recursos necessários para essas restaurações sejam disponibilizados de forma rápida e eficiente.
A forte conexão social e o processo participativo em Shibitachi foram estratégicos para a recuperação. No Japão, o machizukuri promove a participação ativa da comunidade na tomada de decisões sobre a reconstrução, o que pode otimizar o uso de recursos públicos e fortalecer o senso de pertencimento e responsabilidade entre os moradores.
No Brasil, o envolvimento da comunidade na tomada de decisões sobre a reconstrução pode garantir que as soluções adotadas sejam adequadas às necessidades locais e culturalmente relevantes. Isso inclui a realização de participação e a formação de comitês comunitários para monitorar o progresso das ações de recuperação.
Ainda, a educação para a preparação de desastres é parte integral do sistema escolar japonês. No Brasil, incorporar a educação sobre desastres nos currículos escolares pode criar uma cultura de prevenção e resiliência desde cedo. Programas de sensibilização, treinamento e exercícios de evacuação podem preparar melhor a população para responder a futuros desastres. Governos estaduais e municipais devem promover campanhas educativas contínuas e incluir a preparação para desastres nas pautas escolares.
A filosofia BBB em Shibitachi pode iluminar o caminho para que o Brasil adote práticas sustentáveis e resilientes, garantindo uma reconstrução mais duradoura e preparada para futuras ocorrências. Com esse aprendizado, temos a oportunidade não apenas de reconstruir, mas de transformar nossas comunidades em locais mais fortes e resilientes, capazes de enfrentar os desafios que o futuro possa apresentar, tendo a consciência dos efeitos reais das mudanças climáticas.
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