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O que dizer de pessoas educadas em boas escolas que sujam as praias?

Em sua coluna, Leonel Ximenes mostrou o lixo deixado nas praias mais badaladas de Guarapari — Bacutia e Peracanga —, no último fim de semana.  Isso pode ser considerado um sintoma social?

  • Ítalo Campos
Publicado em 16/01/2020 às 10h13
Lixo acumulado embaixo de uma escadaria de acesso à Praia de Peracanga. Crédito: Marcelo Moryan
Lixo acumulado embaixo de uma escadaria de acesso à Praia de Peracanga. Crédito: Marcelo Moryan

Noticiada pela coluna Leonel Ximenes, aqui em A Gazeta, a dolorosa paisagem do dia seguinte nas praias da Bacutia e Peracanga na Enseada Azul, Guarapari, é a imagem do horror, resto desolador de um dia de lazer de pessoas alegres, escolarizadas e “bem de vida”. O PIB de Bacutia e Peracanga, duas lindas praias, nos finais de semana deste verão deve ser maior do que o PIB dos EUA.

Este cálculo pode ser feito rapidamente observando-se os carros estacionados, as cangas na areia e os restos deixados, somados às máquinas eletrônicas sofisticadas e ininterruptamente acionadas e a outros equipamentos.

Mas qual seria o ponto comum entre estes frequentadores, além de sua faixa etária, a constituir uma pequena multidão neste espaço privilegiado para banho de mar neste verão tão intenso? Quem ocupa este lugar público de forma tão marcada e que deixa como rastro observado no dia seguinte uma montanha de lixo espalhado invadindo o mar, a areia e o que resta da restinga?

O que podemos dizer de pessoas educadas em boas escolas, que vivem em conforto, quando verificamos a sua relação com o espaço público e com o meio ambiente? O que quer dizer a pessoa não se importar com que está a sua volta? Uma pessoa não cuidar do ambiente em que está e do qual goza, não reconhecer, como sua, a sujeira que produz, isso pode ser considerado um sintoma social? Essas pessoas estão de bem com a vida?

Como o propósito desta breve reflexão é apontar alguma possível contribuição da psicanálise, tomaremos o sintoma como aquilo que significa algo, que representa alguma coisa, que diz de um funcionamento mal ou bem sucedido. Importante destacar que Freud era cuidadoso para não extrapolar os conceitos psicanalíticos para a esfera social. Ele não pretendia psicanalisar o social.

Ítalo Campos

Autor do artigo

"O homem não se cria sozinho; ele é dependente do outro, é um animal frágil e dependente e sujeito ao mundo da linguagem pré-estabelecido"

No entanto, seus vários textos, a partir de 1920, chamados de metapsicológicos, nos ajudam a entender melhor os fenômenos sociológicos dado que os processos de individuação dependem dos processos de socialização.

O homem não se cria sozinho; ele é dependente do outro, é um animal frágil e dependente e sujeito ao mundo da linguagem pré-estabelecido. Este animal, o bebê recém-nascido, para entrar na humanidade e na civilização, terá que romper com a natureza.

A forma como o fizer terá uma enorme repercussão e consequência, que definirão a maneira de organizar o que será o seu psiquismo. Freud introduz e conceitua uma instância além da consciência, além do biológico, lugar situado entre a natureza e a cultura, um entre lugar chamado inconsciente, que comanda os afetos e o comportamento do ser humano.

O homem, a consciência, não é dono da sua casa, comprovou Freud com suas pesquisas teórico-clínicas. O inconsciente provém das relações desse infans com o adulto que o cria, representante da cultura. O ser humano então não nasce, ele é forjado nas relações entre as forças biológicas e o que lhe é apresentado pela civilização, mediado pela linguagem, pelas proibições, pelas permissões, pelo recalcamento. Este ser a que chamamos de humano é um ser dividido entre consciente e inconsciente, entre saber e verdade.

O que verificamos no nosso momento civilizatório, o que constatamos na atualidade do mundo ocidental? Como funcionam e se expressam, como são liberadas as forças construtivas e destrutivas que habitam em todos nós? O que significa nos nossos tempos a indiferença ao outro ser humano, à outra vida, ao meio ambiente composto de vidas? O que nos indica a agressão a outras formas de vida que nos cercam como se isso não fizesse efeitos sobre nós mesmos?

Matar o meio ambiente, praticar o ecosuicídio, não promoveria nossa desaparição? Nosso hedonismo, nossa busca do prazer imediato cultuado no atual momento histórico, nossos excessos, inclusive nos bens de consumo, o imperativo do consumo, o capitalismo individualista e predatório, tudo isso não promoverá o nosso fim e de toda a humanidade bem como as demais formas de vida?

Neste embate que travamos com a natureza supomos que venceremos, que a aniquilaremos sem que perecermos juntos? Estamos vivendo o fracasso do processo civilizatório caminhando céleres para a morte.

Podemos considerar esta lama que nos invade em Guarapari e em Mariana, destruindo plantas, animais e gente um “sintoma social” que é preciso ser enfrentado, explicitado e não negado, como o fazem alguns governantes e grupos sociais.

A força destrutiva da civilização pode nos levar a barbárie? Precisaríamos modificar nossa relação com a vida e com os modos de produção de nossos bens e pessoas, pois a lama que invade nossos corpos também invade nossa alma.

A “educação ambiental”, além da sociologia, antropologia, pedagogia, deveria incluir também a compreensão do erótico e do tanático da formação subjetiva dos seres humanos.

O autor é psicanalista e poeta

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