Nesta sexta-feira (19), sem qualquer comunicação à Ordem, a advocacia foi surpreendida com a Portaria 06-R, que limita o atendimento de advogados aos presos no sistema prisional capixaba.
No início de 2023, o secretário de Justiça esteve na OAB/ES e declarou que o objetivo da Sejus era “melhorar cada vez mais a atuação dos advogados dentro das unidades prisionais, de acordo com o que prevê o Estatuto da Advocacia e as prerrogativas da profissão”.
Mas, ao contrário do esperado, num momento em que se discute, de um lado, a possibilidade de parlatórios virtuais (já uma realidade em diversos Estados), com agendamento de horário e limitação de tempo, e, de outro, o atendimento presencial sem limitações, a Sejus consegue a proeza de unir o pior dos dois mundos e tornar a prática da advocacia criminal ainda mais penosa do que já.
Para além da evidente ilegalidade em restringir, por canetada de secretário, o que a lei (8906/1994) não limita – o que, vale dizer, já foi tentado, por exemplo, em Santa Catarina e reconhecido como ilegal pelo Poder Judiciário – a Portaria parte de pressupostos falaciosos para chegar a normativas equivocadas.
Em vez de aumentar o efetivo de policiais penais, dar mais condições de trabalho aos servidores, investir em tecnologia (como os mencionados parlatórios virtuais), fazem o mais fácil (e ilegal): limitar o trabalho dos advogados.
O advogado, além de precisar do contato direto com o cliente para realização de sua defesa, é a ponte para o mundo externo, para, sem horário marcado, ver o cliente, que, por vezes, buscam esconder.
São os advogados – juntamente com os familiares – os olhos de fora, que fiscalizam e denunciam o que ocorre dentro da cadeia. É antiga no sistema penitenciário capixaba a prática de cancelar visitas de familiares de presos que apanharam recentemente para que os parentes não os vejam com as marcas das agressões e denunciem os abusos. Chegando sem avisar, o advogado é quem poderá tomar as providências cabíveis antes que as evidências desapareçam.
A cadeia convive com essa dualidade, de precisar ser, ao mesmo tempo, hermética – para, obviamente, evitar que os que ali estão não saiam antes do devido – e transparente – para não ocultar e esconder da sociedade as práticas que os senhores do cárcere tentam esconder.
A vedação de atendimento por mais de um advogado é outra limitação que não faz sentido sob nenhum aspecto, uma vez que todo advogado que adentra a unidade prisional é registrado e, no caso de atenderem apenas um preso, usam um único parlatório (com um único telefone, diga-se de passagem).
Há, ainda, a criação de uma série de burocracias que certamente gerarão ainda mais trabalho administrativo aos servidores, que agora ficarão responsáveis pela elaboração de planilhas, agendamentos, atendimento e análise de requerimentos e eventuais anexos e documentos comprobatórios, isso tudo dentro de uma realidade em que nada funciona a contento e com quadro de servidores já defasado.
O que precisa ser dito é que nem o básico a Sejus garante, que é o mínimo funcionamento dos parlatórios já existentes em condições condignas, o que a OAB tem precisado custear, embora seja obrigação do Estado.
A pergunta que fica é: o que receia o sistema, que busca tanto afastar o advogado? Por qual motivo omitir nos “considerados” da Portaria que ela surgiu de recomendação do Ministério Público? Se o objetivo é coibir os advogados que se prestam ao papel de pombo-correio (que precisam ser punidos com a aplicação da lei, caso demonstrada sua culpa), nenhuma das novas medidas é adequada a esta finalidade e acabam prejudicando toda a categoria.
Quando for necessária a presença da advocacia, esta deverá comparecer, independente de dia, hora ou condição e somente assim poderá ser cumprida sua missão constitucional.
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