O Brasil ficou estarrecido com a saída da Ford do país, anunciada em 11 de janeiro. Com a decisão, três fábricas serão fechadas e cinco mil postos de trabalho serão perdidos. Três dias antes, a GM (General Motors, que tem a Chevrolet como subsidiária) anunciou sua novo logo. Mas o que uma coisa tem a ver com a outra?
Para entender essa relação e nosso objetivo aqui, é preciso voltar rapidamente ao fordismo, modelo econômico que ditou os 25 anos pós-guerra e que foi implantando pelo industrial norte-americano Henry Ford. Nesse modelo, a produção era feita em grandes quantidades e com baixa qualificação da mão de obra. O trabalhador atuava de forma fragmentada e repetitiva, o que gerou altos índices de produtividade, padronização de produtos e rotinização de processos visando à economicidade.
Entretanto, nos anos 60, esse regime de acumulação entrou em crise, muito por conta da fragilidade das contas públicas, do aumento dos custos de produção, da redução da oferta de mão de obra, da dificuldade em se elevar a produtividade do trabalhador — já esgotado física e mentalmente — e, em especial, da inadequação da produção em massa em atender ao mercado consumidor, que começava a ser segmentado por fatores como faixas de renda e hábitos de consumo.
Por outro lado, ganhou espaço o toyotismo, incorporado pela Toyota, do Japão. Um sistema baseado em uma produção flexível, de muitos modelos de veículos, mas em menor número, e que priorizava maior atenção às características e necessidades dos clientes e apostava em gestão para aumento da qualidade.
Feita essa retomada, é importante destacar que duas gerações, os Millennials (nascidos entre 1981 e 1995) e a Geração Z (nascidos de 1996 a 2010), ditam o mundo hoje. Apesar de terem diferenças significativas, ambas se preocupam com o meio ambiente e com uma economia de recursos (não necessariamente financeiros), e estão dispostas a adotar novos hábitos que garantam a melhoria do mundo em que vivemos.
Com esses ideias, acabam sendo mais criteriosas em seus comportamentos de compra, consumindo apenas de marcas com propósito, cultura e valores sustentáveis, mesmo que tenham que pagar mais para isso. Para elas, viver com menos — priorização do uso em vez da posse — é possível e quase obrigatório, assim como o relacionamento com empresas que pratiquem ativismo digital conectado aos seus ideais.
Voltando à Ford, a montadora, que em 2016 tinha 11,5% de participação no mercado brasileiro, hoje está com 7,14% (quinto lugar). Bem atrás da GM (17,35%). A mesma GM que trocou recentemente as letras maiúsculas por minúsculas, usa agora uma fonte mais arredondada e bordas também arredondadas ao invés de retas, com o explícito objetivo de focar em um público mais jovem.
Não à toa, aproveitou o lançamento da nova logo para divulgar que irá lançar 30 modelos de carros elétricos até 2025 — reconhecidamente mais silenciosos, menos barulhentos e, principalmente, menos poluentes.
Perceba então que, apesar de parecer, não estamos falando da saída da Ford do Brasil ou de uma possível falência da montadora provocada pelos novos consumidores. Afinal, ao menos por ora, ela permanece intacta nos demais países, inclusive vizinhos ao nosso, como Uruguai e Argentina.
Estamos na verdade falando sobre o nascimento de um estilo de vida, simbolicamente aqui representado pela nova logo da GM, e sobre a pá de cal sobre outro estilo de vida, em âmbito global, aqui simbolicamente representado pela saída da Ford do nosso país.
Um modelo de consumo cuja marca de Henry Ford está, inquestionavelmente, associada, visto que ele foi responsável pela criação e perpetuação deste sistema que, para a época, foi muito importante, mas que hoje é considerado inviável, desequilibrado e tóxico para as pessoas e para o planeta. Um modelo definitivamente abandonado e enterrado pelas novas gerações.
O autor é bacharel em Comunicação pela Ufes e finalista do MBA em Marketing e Mídias Digitais da FGV
* Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta
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