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É nutricionista e socióloga da alimentação. Professora no Depto de Ciências Sociais da Ufes e autora do podcast Panela de Impressão

O que temos de novo na gastronomia contemporânea?

Hoje, além dos chefs celebridades midiatizados que influenciam variados espaços sociais, temos aqueles que exercem o papel sociopolítico do cozinheiro

  • Elaine de Azevedo É nutricionista e socióloga da alimentação. Professora no Depto de Ciências Sociais da Ufes e autora do podcast Panela de Impressão
Publicado em 29/12/2024 às 07h00

O que temos de novo na gastronomia contemporânea? A tese de doutorado do sociólogo alagoano Maurício Lages e as conversas com a historiadora carioca Constance Escobar e o sociólogo paulistano Carlos Alberto Dória ajudam a pensar sobre isso.

Existem, ao menos, dois estilos de culinária. Um assume as premissas da Nouvelle Cuisine e da cozinha molecular que buscam técnicas autorais inéditas e múltiplas experiências estéticas e sensoriais na cozinha e no ambiente gastronômico. Enquanto a Nouvelle Cuisine enfatiza mais os ingredientes frescos e sazonais, a cozinha molecular preza a virtuosidade técnica e até utiliza ingredientes sintéticos.

Outro estilo são as cozinhas do cotidiano que migram das mãos das cozinheiras invisibilizadas e diplomadas nos fogões à lenha do Brasil profundo para as mãos de chefs que revalorizam as receitas das escravas e indígenas e mergulham no rural do caipira, do manezinho, da cabocla, do matuto, da caiçara, do mateiro, do mandioqueiro, do tabaréu e da tapioqueira. Alex Atala resume essa tendência: inovar hoje é manter a tradição.

Sob esse impulso, a culinária de países antes periféricos na cena gastronômica como Peru, México, Vietnã e Brasil brilham no cenário global, sob a superação do colonialismo gastronômico e das regras estrangeiras.

Hoje, além dos chefs celebridades midiatizados que influenciam variados espaços sociais, temos aqueles que exercem o papel sociopolítico do cozinheiro. Essa gastropolítica fortalece os sistemas agroalimentares regenerativos e quem produz comida e capital socioambiental como agricultores familiares orgânicos e pescadores artesanais.

Alguns chefs preterem os ambientes sofisticados e assumem a estética da simplicidade. Interessam-se pela difusão da cultura local e produzem ‘comida pra pensar”, como diria Levi Strauss. Aproximam-se do historiador espanhol José Linares que defende que parte da gastronomia vive no desperdício ostentoso e seu futuro deveria ser ‘rir menos e pensar mais’.

Há uma tendência de valorizar o vegetal, seguindo as preocupações com a sustentabilidade, a saúde e o direito à vida animal. Parece mais fácil agradar com uma proteína animal do que transformar um quiabo na estrela do menu degustação. Para mim, quem consegue subverter um carnista, nem que seja somente durante uma refeição, recebe meu conceito máximo de domínio da técnica.

Vou me abster de citar chefs e restaurantes que ilustram tais características aqui. Deixo aos pensadores capixabas essa tarefa. Entretanto, serei um pouco mais generosa com essa terra que me acolheu e menciono um jovem chef que assume algumas premissas contemporâneas no seu projeto gastronômico Macunaíma.

Murilo Góes se interessa pela brasilidade alimentar. Tem uma formação muito além das panelas. A geografia local e a ocupação das identidades o fizeram honrar ingredientes que compõem a cultura alimentar capixaba. Assumindo que capixaba, em tupi, significa lavoura nova, associada à mandioca e ao milho, ele torna esses ingredientes centrais em suas preparações, além da batata doce, mamão, banana, abacaxi, cana, coco, cará, amendoim, inhame, jiló, arroz e o urucum, transcendendo seu uso na moqueca.

Macunaima Cozinha Experimental, projeto do chef Murilo Góes em Vila Velha
Macunaima Cozinha Experimental, projeto do chef Murilo Góes em Vila Velha . Crédito: Olivier Schochlin

Não esquece das dádivas do mar nem do socol. Seu cardápio, enxuto e rotativo, tem o brote pomerano e bebidas como o café, cerveja, cachaça e até o vinho espírito-santenses. Quer ser um polo de reconhecimento das produções locais, utilizando insumos frescos, sempre que possível, da compra direta de produtores orgânicos.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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