Há sete anos, em fevereiro de 2017, o Espírito Santo vivenciava a maior crise de segurança pública de sua história. Fui convocado para assumir o Comando-Geral da PM na madrugada do quarto dia desse caos, que ameaçava se espalhar por todo o país. O cenário em que nos encontrávamos era de completa desordem. Uma atmosfera de desespero pairava sobre nós. O desafio era colossal e a mim foi confiada a missão de enfrentar o crime e restaurar os valores institucionais da Polícia Militar: a hierarquia e a disciplina.
Em um cenário nunca antes visto em quase cinco séculos de existência do Estado e 200 anos da corporação, a Polícia Militar do Espírito Santo paralisou completamente a prestação de seus serviços. A consequência dessa ação foi um abandono total da população, que se viu enclausurada em suas próprias casas, refém da criminalidade que tomou conta das ruas.
A situação era caótica e desesperadora. O silêncio das sirenes e o vazio das viaturas deixaram um vácuo de segurança que foi rapidamente preenchido pela violência e pelo medo. Os capixabas se sentiram abandonados e desprotegidos. As portas trancadas e as janelas fechadas eram as únicas medidas de segurança que restavam.
O motim se alastrou por 21 intermináveis dias. Durante esse período sombrio, mais de 220 vidas foram ceifadas, enquanto milhares de atos de furto, roubo e arrombamento ocorriam sem controle. Era claro para mim que por trás do motim havia mentes maquiavélicas com um plano político. Esses indivíduos, nas sombras, instigavam constantemente a revolta, incentivando a quebra de regras e a insubordinação, com o único objetivo de espalhar o terror e o caos pela sociedade. Era uma estratégia insana, porém meticulosamente calculada, para conquistar poder político.
A ruptura na segurança pública deixou uma cicatriz profunda em nosso Estado, e seria uma negligência imperdoável deixar essa página sombria de nossa história simplesmente ser apagada. Após o fim da "revolta", o Supremo Tribunal Federal reafirmou sua posição sobre a ilegalidade da paralisação dos policiais, mencionando o caso do Espírito Santo.
No entanto, o governador Renato Casagrande optou por seguir um caminho contrário, apresentando um projeto de lei à Assembleia Legislativa para conceder anistia aos policiais que foram punidos e processados administrativamente devido à sua participação no motim. O Legislativo capixaba, seguindo a liderança do governante, aprovou a anistia, causando um golpe severo na disciplina e hierarquia da instituição responsável pela segurança dos cidadãos do Espírito Santo. É verdadeiramente trágico observar como os valores institucionais foram descartados em prol de interesses políticos.
É imperativo frisar que no Brasil há uma imponente estrutura jurídica, composta pela Constituição Federal, pelos códigos vigentes e, no âmbito militar, pelo Código Penal Militar e Regulamento Disciplinar. Nesse contexto, um líder deve trilhar o caminho da retidão, mesmo que enfrente adversidades injustas e incompreensões cruéis.
E a base dessa jornada sempre será o cumprimento inequívoco e intransigente da lei. Os acontecimentos do revolto fevereiro de 2017 estão estampados de forma clara e cabal no Código Penal Militar, mais precisamente no seu Artigo 149.
É imprescindível que todos tenham pleno discernimento dos eventos que assolaram o caótico fevereiro de 2017, de modo que essa percepção desvende as verdadeiras motivações que conduziram o Espírito Santo a uma via-crúcis de 21 dias, um verdadeiro calvário, um percurso tortuoso repleto de experiências aterradoras e angustiantes, tanto para a população como para os policiais militares, que em sua maioria são servidores exemplares.
Durante o desenrolar do motim, ficou claro como os projetos políticos locais estavam diretamente ligados aos movimentos políticos radicais em nível nacional. Esses grupos desempenharam um papel crucial na organização e sustentação desse tumulto, transformando-o em um verdadeiro laboratório do extremismo em rede. É assustador perceber as conexões desses radicais com indivíduos que, mais tarde, se envolveriam nas eleições brasileiras, se tornando inimigos da democracia e do Estado de Direito em nosso país.
Este artigo busca expor as dolorosas feridas deixadas pelo motim, que ecoam ainda hoje em nosso tecido social. Negar as consequências desastrosas decorrentes da clemência aos agitadores seria um autêntico ato de cegueira. A ausência de responsabilização cria um perigoso precedente, uma permissão tácita para que futuros crimes sejam cometidos impunemente. Será que estaríamos vivenciando a terrível situação do dia 8 de janeiro se a anistia não tivesse sido concedida no Espírito Santo?
A dimensão apavorante da catástrofe, ocasionada por interesses sórdidos, políticos e criminosos, envolvendo de maneira ardilosa e covarde uma instituição estatal encarregada de combater incansavelmente qualquer ameaça aos fundamentos da nossa sociedade republicana e democrática, não pode ser ignorada nem pelo Estado capixaba nem pelo Brasil.
O que passamos em fevereiro de 2017 foi uma tragédia de proporções inimagináveis, uma verdadeira loucura que ceifou inúmeras vidas, plantou uma dor indelével nos corações de milhares de capixabas e alimentou o surgimento de forças antidemocráticas. A anistia concedida não trouxe solução para essa questão, pelo contrário, apenas nutriu a serpente que causou todo esse caos.
É crucial realizar uma autópsia minuciosa dessa monstruosidade, a fim de assegurar que nunca mais se repita. Sete longos anos se passaram e, a cada dia que se desenrola em terras brasileiras, torna-se cada vez mais imperativo desmascarar o mandante e seus principais cúmplices por trás desse crime execrável e fazer ressoar o grito da justiça.
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