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É professor da FDV, advogado. Pós-Doutor em Direito Penal (Goethe Universität) e em Criminologia (Universität Hamburg)

PCC e postos de gasolina: narcocapitalismo e prevenção à lavagem de dinheiro

Esse fenômeno ilustra a complexidade do narcocapitalismo, no qual a economia legal e a ilegal se entrelaçam, simbiose que representa um desafio monumental para as autoridades

  • Raphael Boldt É professor da FDV, advogado. Pós-Doutor em Direito Penal (Goethe Universität) e em Criminologia (Universität Hamburg)
Publicado em 12/07/2024 às 19h02

Uma das atividades mais lucrativas da economia global consiste na venda de drogas. As drogas figuram como uma mercadoria emblemática do capitalismo neoliberal, onde grandes quantidades de dinheiro fluem, irrigando os mercados ilícitos e transferindo fluxos de dinheiro para o sistema financeiro e para diversas ramificações da economia legal.

Diante desse cenário, os Estados empreendem cruzadas tenazes para preservar a hegemonia política e o domínio sobre o mercado de drogas, fonte de lucratividade fabulosa. Para isso, precisam controlar os territórios onde as drogas são produzidas, monitorar as rotas de distribuição e gerenciar os mercados de consumo. O Estado atua como o garantidor do processo ascendente de valorização das drogas, desde a produção até o consumo, incluindo lavagem de dinheiro e investimento do excedente na economia legal.

Curiosamente, o rótulo de “narcoestado” tem sido aplicado aos países periféricos produtores e distribuidores, mas não aos países centrais consumidores e financiadores da “economia criminosa”. Como em todo processo de capitalização legítimo, na geração da renda criminal há um processo subjacente de exploração da força de trabalho, porém em condições de extrema precariedade que beiram a escravidão ou o trabalho forçado.

O cerne da economia criminosa é o lucro extraordinário devido ao fato de as drogas serem uma das mercadorias mais representativas do capitalismo global, cuja produção e consumo estão envolvidos em proibição e extrema violência. Como se sabe, os lucros obtidos nessa atividade podem superar os benefícios derivados da maioria das atividades que dominam o mercado legal. Os altos retornos são possíveis devido aos elevados preços que as drogas alcançam nos principais centros de consumo.

No Brasil, essa realidade tem se tornado cada vez mais evidente, com facções como o PCC expandindo suas atividades para setores legais. Recentes investigações trouxeram à tona esquemas em que o PCC utiliza postos de gasolina para misturar dinheiro ilícito com receitas de vendas legítimas, criando um ciclo financeiro que mascara a verdadeira origem dos recursos.

Cocaína
Cocaína. Crédito: Freepik

Esse fenômeno ilustra a complexidade do narcocapitalismo, no qual a economia legal e a ilegal se entrelaçam, simbiose que representa um desafio monumental para as autoridades, que precisam desenvolver estratégias cada vez mais sofisticadas para coibir a lavagem de dinheiro.

Entretanto, é importante reconhecer que a mera repressão, sem uma análise crítica das raízes sociais e econômicas desse fenômeno, é insuficiente. O crescimento de organizações como o PCC está intrinsecamente ligado a problemas estruturais, como a desigualdade social e a corrupção sistêmica. A resposta deve ser complexa e integrada, envolvendo a cooperação entre órgãos de fiscalização, o uso de novas tecnologias, a capacitação profissional e uma análise crítica das causas estruturais que alimentam essa economia ilícita.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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