Na última terça-feira (22), durante sessão da 1ª turma do Supremo Tribunal Federal (STF), novamente o tema “pejotização” ganhou destaque na mídia nacional. Quando os ministros Alexandre de Morais e Flávio Dino divergiram em seus votos quanto à cassação da decisão da Justiça do Trabalho que reconheceu o vínculo de emprego, cuja contratação ocorrera por meio de um trabalhador “pejotizado”.
Faz-se necessário esclarecer que há uma grande diferença entre à terceirização na atividade-fim, considerada constitucional pelo STF e, portanto, originando o tema 725, com repercussão geral, nos seguintes termos: “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”, e a disseminada e indiscriminada “pejotização” dos trabalhadores atualmente.
O fato é que uma empresa contratar outra empresa especialista numa atividade, com a finalidade de otimizar seus resultados, estabelece uma relação jurídica lícita, conforme o princípio da livre iniciativa (art. 170 da CF).
Contudo, o fenômeno da terceirização não se confunde com a “pejotização”, onde o negócio jurídico firmado entre as partes reúne todos os requisitos da relação de emprego previstos na CLT, mas o contratado consente em trabalhar por meio de sua pessoa jurídica, contatação esta que, nos termos do art. 9º da CLT, é nula.
No aspecto prático, como bem disse o ministro Alexandre de Moraes, a pactuação “pejotizada” gera menos encargos trabalhistas para o empregado. Entretanto, beneficia o empregador também, não só com menos encargos e responsabilidades trabalhistas, mas também conseguindo melhor competitividade em relação aos empregadores que cumprem rigorosamente a legislação trabalhista.
Também com razão o ministro Flavio Dino, quando fala que o atrativo da “pejotização” gera grandes problemas para a seguridade social (previdência), visto que o trabalhador fica menos protegido no caso de infortúnio que lhe gere à incapacidade, por exemplo.
Noutro ponto, não se pode deixar de criticar o posicionamento que coloca o trabalhador como um algoz do empregador, uma vez que se sustenta em uma ideia de pactuação de trabalho livre no século XVIII, com a Constituição Americana (1787) e a Revolução Francesa (1789), período da primeira geração de direitos humanos, onde a ideia de liberdade trazia a ilusão de igualdade na negociação entre as partes.
Ocorre que no século XX, surge a ideia de Estado social, com a segunda geração de direitos fundamentais (associado à ideia de igualdade material), dissociando-se da ideia inicial de liberdade plena do liberalismo e não intervenção estatal, que com base na teoria de Estado de bem-estar social passa garantir direitos e oportunidades iguais a todos, principalmente em relação à educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, à moradia, ao transporte, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância, à assistência aos desamparados (art. 6º da CFB), dentre outros.
A bem da verdade, quem precisa trabalhar, mesmo nas profissões mais qualificadas, raramente tem igualdade de armas para negociar com seu contratante, que acaba atraindo e retendo a mão de obra, ante a oferta de maior ganho financeiro mensal imediato, sem as despesas dos encargos incidentes de uma contratação celetista.
Assim, se estima que o custo do empregador é de 70% além do salário, ou seja, se um empregado tem um salário de R$ 2 mil, o custo para a empresa contratante é de R$ 3.400,00. De modo que quando o empregador dá a opção do trabalhador ser contratado de forma “pejotizada”, fraudando o formal de contratação de trabalho subordinado previsto pelo ordenamento jurídico brasileiro (CLT), em troca de uma melhor remuneração imediata no valor de R$ 2,5 mil, evidentemente o trabalhador, que precisa comprar comida, pagar aluguel, remédios, se vê atraído pelo sistema “pejotizado”.
Contudo, não se pode deixar de considerar que a empresa contratante teve uma economia de R$ 900,00 no custo de sua contratação, equivalente a 26,47% de economia, que possibilitará uma concorrência desleal em relação às empresas que seguem o modelo contratual estabelecido pelo Estado para contratação do trabalho subordinado.
Portanto, há um grande equívoco da premissa de que o trabalhador possui responsabilidade pelos custos gerados em decorrência do reconhecimento do vínculo empregatício pela Justiça do Trabalho, visto que sendo hipossuficiente na relação contratual, tendo o Estado fixado o padrão de contratação do trabalho subordinado, as empresas contratantes conhecem e assumem os risco de uma contratação “pejotizada”.
Essa falsa ideia de liberdade, que se permeou no modelo “pejotizado”, longe está do trabalho livre em contraponto ao trabalho subordinado, inexistindo autonomia, mas disponibilização do trabalho para que o contratante obtenha a mais-valia (Karl Marx), que é a base do lucro no sistema capitalista.
E o pior cenário já se estabeleceu, pois com a reiterada cassação das decisões da Justiça do Trabalho pelo STF, enfraquecendo a aplicabilidade nos direito do trabalho, o modelo neoliberal da “pejotização” se difundiu para contratações de mão de obra de baixa qualificação.
Sendo a construção civil um grande exemplo decorrente da insegurança jurídica gerada pela quebra reiterada da competência da Justiça do Trabalho, responsável constitucionalmente (art. 114 da CF) por processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho, inclusive de aplicar a legislação infraconstitucional que diz o que é vínculo de emprego, julgamento intimamente ligado aos direitos humanos de segunda geração.
É certo afirmar que a “legalização” da “pejotização” pelo STF vem gerando a difusão desse modelo contratual, gerando precarização do trabalho, principalmente em relação ao cumprimento de normas de saúde e segurança do trabalho, e futuros grandes reflexos para previdência social.
A fala do ministro Flávio Dino, no sentido da necessidade de revisão do Tema 725, é muito acertada, sendo necessário estabelecer limites à aplicabilidade do tema, restringindo às verdadeiras terceirizações, nas quais há paridade de força na pactuação do negócio jurídico (guiado pelo pacta sunt servanda), e excluindo a “pejorização”, na qual há trabalho subordinado e, portanto, uma das partes possui hipossuficiência negocial, razão pela qual é principio do direito do trabalho a proteção do hipossuficiente.
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