Em dezembro, o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência é comemorado no dia 3, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, no dia 10.
A Organização das Nações Unidas (ONU), em 1992, instituiu o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência (PCDs), que passou a ser comemorado todo dia 3 de dezembro, tendo como principal objetivo a conscientização sobre a importância de assegurar uma melhor qualidade de vida dessas pessoas.
Em 2007, em Nova York, foi firmada a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, com o propósito de “promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente”.
Na Convenção, consta que “pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas” (art. 1º da Convenção).
Esse é o conceito constitucional de PCD desde 2009, quando a convenção, que trata de direitos humanos, foi inserida no direito brasileiro com status de emenda constitucional. Trata-se de norma constitucional definidora de direitos e garantias fundamentais, com eficácia imediata, devendo ser utilizada na interpretação das leis e aplicação das políticas públicas, que devem contemplar todas espécies de deficiência (de natureza física, mental, intelectual ou sensorial) em atenção ao princípio da igualdade.
Entre as políticas públicas para PCDs encontram-se as isenções tributárias, que dispensam o pagamento de tributos e estão previstas em várias leis (federais, estaduais e municipais), como consta na “Cartilha Cidadã: Isenções e Benefícios Tributários”, elaborada pela Comissão de Direito Tributário da Seccional da OAB-ES.
Analisando-se as leis de isenções, percebem-se dois problemas recorrentes. Primeiro, a concessão para algumas deficiências, excluindo outras, violando o princípio da igualdade. Segundo, na lei deveria constar apenas os requisitos e condições para sua concessão, porque: (i) a norma constitucional e a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) conceituam PCD nos termos da Convenção de Nova York; (ii) a lei tributária não pode conceituar deficiência por expressa vedação legal, prevista nos artigos 109 e 110 do Código Tributário Nacional (CTN).
Por exemplo, a lei federal que concede a isenção de IPI na compra de automóveis contempla apenas as “pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa ou profunda”, excluindo os deficientes auditivos. Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou sua inconstitucionalidade e reconheceu o direito dos deficientes auditivos à isenção, no julgamento da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 30.
Há outra inconstitucionalidade na lei, até o momento não declarada pelo Judiciário, por conceituar deficiência visual em afronta à Constituição e ao CTN. A lei “considera pessoa portadora de deficiência visual aquela que apresenta acuidade visual igual ou menor que 20/200 (tabela de Snellen) no melhor olho, após a melhor correção, ou campo visual inferior a 20°, ou ocorrência simultânea de ambas as situações”. Esse conceito exclui as pessoas com visão monocular, com visão normal num olho e baixa visão ou cegueira no outro (alguns monoculares não têm um olho e necessitam de prótese).
A visão monocular se enquadra no conceito constitucional e foi reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como deficiência visual, do tipo sensorial. O padrão normal da visão humana corresponde à visão binocular. A pessoa monocular não tem a visão com o mesmo padrão, enfrentando várias dificuldades e limitações.
O STF e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já reconheceram que a visão monocular é deficiência para fim de concorrer em concurso público às vagas reservadas as pessoas com deficiência, mas até hoje os tribunais e juízes não reconheceram o direito dos monoculares à compra de automóvel com isenção de IPI e ICMS. Cabe registrar que o STJ já reconheceu o direito da pessoa com cegueira unilateral à isenção de imposto de renda.
A Justiça ainda não reconheceu o direito dos monoculares porque o Código Tributário Nacional (CTN) prevê que “interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre outorga de isenção” (art. 111), porém o CTN proíbe expressamente que a lei tributária conceitue deficiência (art. 109 e 110), devendo ser aplicado o conceito constitucional.
Este ano foi aprovada a lei federal 14.126/21, chamada de lei Amália Barros em homenagem à ativista da causa (jornalista e monocular que utiliza prótese), prevendo que “fica a visão monocular classificada como deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos legais”. No Espírito Santo, desde 2007 existe lei estadual classificando a visão monocular como deficiência visual (Lei 8.775/2007). Todavia, a Receita Federal do Brasil e a Secretaria de Fazenda do Estado continuam negando o benefício aos monoculares, com fundamento (equivocado) na regra de interpretação literal da lei que concede isenção.
O direito brasileiro é um sistema composto por diversas leis, que devem ser interpretadas sistematicamente para afastar as contradições existentes. As pessoas com visão monocular são deficientes visuais para todos os fins legais; é incompatível com as regras do sistema do direito que sejam deficientes visuais “para fins de concurso público” e não sejam para “fins de isenção tributária”.
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É dever do Estado (governo federal, estadual e municipal) e dos Poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário) assegurar a todas pessoas com deficiência o acesso às políticas públicas destinadas a “promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente”.
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