Política não se faz com o fígado. Essa máxima é antiga; as figuras públicas já estão carecas de saber. Basta que se tome uma decisão sem as devidas reflexão e frieza necessárias para que se assista a projetos e relações ruírem, despenhadeiro abaixo. A nova velha onda é a política do medo: as veladas ameaças de perda de emprego, mudanças radicais diversas e refração das expectativas que fazem com que as escolhas dos cidadãos fujam à racionalidade. A política se move por sensações, e o medo é a principal delas.
No início do século passado, governantes autoritários ameaçavam comunidades e cidades inteiras, cerceavam seus direitos e até levavam à prisão aqueles que emergissem com ideias que não fossem fiéis às deles. Está certo, hoje não é muito diferente de ontem, mas ao menos na atualidade há o disfarce da argumentação que edulcora essas ameaças com vantagens.
A estratégia do medo é empregada pelos personagens da política antes mesmo do nascimento do marketing específico, que costuma explorar essas características em sua propaganda. Quem não se lembra do comercial da campanha de Dilma Rousseff que, em 2014, fez sumir da mesa de uma família de classe média pratos com comidas? A mensagem condenava a proximidade de Marina Silva com o mercado financeiro e os banqueiros, que (dá-lhe o exercício da vidência!) subiriam as taxas de juros e deixariam as famílias brasileiras com as despensas vazias caso a candidata fosse eleita. Golpe baixo, eu sei, mas que tirou Marina daquele segundo turno.
As narrativas transformam o medo – que vem da vulnerabilidade, da desesperança e da frustração – em ganhos eleitorais. É o que ocorre quando se instrumentaliza o terror entre os evangélicos para se beneficiar eleitoralmente desse segmento social. O inimigo oculto está sempre à espreita.
Para vencer a eleição norte-americana, Donald Trump invocou a soberania nacional: deportação em massa, muro entre os EUA e o México, sobretaxação das importações. Ou era isso, ou os americanos logo perderiam espaço para os estrangeiros dentro da própria casa. Golpe de mestre ou, quem sabe, tiro de misericórdia (sem trocadilhos com o fatídico atentado na Pensilvânia).
A direita brasileira também costuma usar desse expediente. As fake news sobre a taxação do Pix atingiram o âmago de todos que habitam o território nacional, principalmente os autônomos e pequenos empreendedores, que hoje somam grande parcela do mercado de trabalho. Assim que a “notícia” se espalhou, ergueu-se uma revolta incontrolável, reparada apenas com o cancelamento da medida, que, aliás, nada tinha a ver com tarifação.
Políticos usufruem do medo, é verdade, mas invariavelmente o sentem. Ao menor sinal de desaprovação, lançam mão de medidas desesperadas para tentar recuperar a boa avaliação popular. Todavia o medo nunca foi bom conselheiro. Lula trocou sua Comunicação, na tentativa de dar cabo a um problema que passa muito mais por seu modelo de gestão: com os olhos fixos no retrovisor, as referências do presidente são de duas décadas atrás. Não resolveu seu problema de governo, que continua em uma crescente assustadora. As últimas pesquisas mostram.
Lula recuou na norma do Pix, pressionado pelo levante popular; recuou e avançou na “taxação das blusinhas” de até 50 dólares; comparou ao Holocausto as investidas de Israel na Faixa de Gaza, mas voltou atrás no que disse, para não melindrar os evangélicos; chegou a dizer que a independência do Banco Central era uma “bombagem”, para, logo depois, com medo do mercado, exaltar a autonomia do banco. Recuo atrás de recuo, no entanto, não foi capaz de melhorar o percentual de brasileiros que aprova a sua gestão. Apavorado pelo medo, esse errático consiliário, Lula tomou decisões no impulso e recebeu, de volta, descrédito.

O medo percorre milhões de aparelhos de celular, que hoje já somam quase o dobro da população brasileira, em questão de segundos. Estamos em 2025, a era das mensagens rápidas e da comunicação instantânea e horizontal. Nesse território, a razão é negligenciada pela emoção. A percepção de que a economia vai mal surge na fila do supermercado, mas a sensação de que está muito pior cresce à medida que comentários de pessoas conhecidas, memes e vídeos curiosos pululam na tela do smartphone.
Impor o medo é uma estratégia eficaz, afinal, viver com ele nos inibe de tomar determinadas decisões e nos impele a avançar sobre outras tantas por puro ímpeto. Nesses tempos tão difusos, a coragem nunca se fez tão necessária: para políticos, que deveriam tomar decisões que mesmo impopulares são necessárias, e para todos nós, cidadãos, em não permitir que o acovardamento afugente a racionalidade.
Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.