O novo coronavírus tem uma capacidade imensa de se disseminar entre seres humanos e produzir mortes, de manter a população de quase todo o mundo em quarentena, de levar a indústria farmacêutica e institutos de pesquisa a uma corrida sem precedentes em busca de vacina e de um medicamento realmente eficaz para combatê-lo.
Mas, ao mesmo tempo, tem também o poder inigualável de reproduzir tolices, informações falsas e de criar um desrespeito à classe médica e à ciência como jamais se viu na história.
De repente, diante de uma doença ainda desconhecida e de um mundo atordoado pela desinformação, passaram a valer mais “receitas” de leigos e aproveitadores, de indicações absurdas sobre medicamentos e terapias, como se fossem eles especialistas da difícil e dura missão de tratar um corpo humano.
Essa corrente de palpiteiros provavelmente contribuiu para aumentar o número de infectados e de mortes ao redor do mundo. Até a Organização Mundial de Saúde se tornou presa desse redemoinho da falta de informação, ora aprovando, ora desaconselhando o uso de determinadas drogas, algumas publicadas até por órgãos de respeito, hoje arrependidos.
A responsabilidade pelo tratamento é do médico. Só ele vai indicar esse ou aquele medicamento conforme o quadro clínico, doenças associadas, estágio de desenvolvimento e resultados dos exames. É sempre necessário seguir o que rege a profissão e dispensar conselhos de leigos em geral.
A politização da doença acabou se transformando em outro vírus, infectando a mente com aumento de ansiedade e estresse, predispondo a doenças mentais. Os países que adotaram medidas coerentes para o combate à pandemia evitaram essas alterações de ordem psicológicas.
Um mau exemplo da desinformação ocorreu na Itália no começo da crise. Não se sabe a razão, a população italiana passou a tomar o ibuprofeno (ácido isobutilpropanoicofenólico, fármaco do grupo dos anti-inflamatórios não esteroides utilizado para o tratamento da dor, febre e inflamação) para se prevenir do mal, embora médicos europeus não recomendassem sua utilização. Primeiro, porque há suspeitas de que esse medicamento favorece a dispersão do coronavírus em seres humanos, e nada se confirmou.
Aqui, além da confusão, a insistência ao indicar a cloroquina como um medicamento quase milagroso para a doença produziu efeitos adversos, para pacientes e profissionais da saúde. Alguns médicos relataram à imprensa que foram ameaçados de agressão por pacientes, simplesmente porque não receitaram a hidroxicloroquina.
Na verdade, o coronavírus trouxe à tona outro problema tão sério quanto a própria doença: a automedicação, que se acentuou com a internet, essa ferramenta tecnológica que torna mais rápida a comunicação no mundo moderno.
Mas é um meio eletrônico e aceita qualquer coisa, como papel em branco, tanto estudos científicos sérios quanto mentiras e todo tipo de golpe. Na área da medicina, serve também como meio de vender pílulas coloridas e outros produtos que só fazem mal aos seus compradores.
Enfim, o corpo humano deve ser cuidado por todos os profissionais da área da saúde envolvidos no processo de tratamento, como enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos, auxiliares de enfermagem, médicos etc... Não por postagens em redes sociais e demais locais virtuais, em que muitas vezes não se identifica o autor.
Infelizmente, uma boa parte dos brasileiros e de outros povos prefere se autodiagnosticar e ao se automedicar segundo a "sabedoria" eletrônica com todos os riscos a que estão sujeitos. Assim como proliferam as fake news, as informações médicas pela internet podem ser igualmente falsas ou desprovidas de embasamento científico.
Portanto, nada justifica o fato de alguém, a partir de um incômodo qualquer, recorrer à internet, encontrar o nome de algum remédio, se automedicar e, depois, ficar sem saber se é portador de alguma doença mais séria.
Se o paciente não tem nenhum dos sintomas e vai ao consultório apenas em nome da prevenção, ótimo. Está a caminho de uma vida mais longa. O fato é que a boa saúde se encontra na medicina e nos devidos cuidados médicos. Nunca em discursos. Afinal, o melhor mesmo é cultivar a inteligência.
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* O autor é médico, especialista em cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia e Associação Médica Brasileira
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