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É advogado e doutor em Direito

Por que as cidades precisam voltar a ser municípios?

É preciso ressuscitar a ideia do município, com os contornos brasileiros. A “sede”, os “distritos”, as “zonas rurais”, enfim, toda a sua complexidade cujas noções novidadeiras foram enfraquecendo

  • Luiz Henrique Antunes Alochio É advogado e doutor em Direito
Publicado em 14/10/2024 às 14h25

Expressões muito comuns, que convivem em harmonia, são estas duas: “a família é a célula-mãe da sociedade” e “a vida real ocorre no município: estados e União são ficções jurídicas”.

Os autoproclamados conservadores à brasileira não se deram conta da relação extrema desses dois valores que, ao final e ao cabo, são próprios do conservadorismo. São, particularmente, vetores de preservação da família e dos valores de cada realidade local, sem a invasão das subversões “progressistas” ou “revolucionárias”. Sem imposição de valores estranhos à comunidade.

Nessa última eleição, houve um sucesso para os candidatos a vereador na faixa ideológica identificada com o “conservadorismo”. Esses eleitos agora precisam prestar atenção: não podem deixar o municipalismo morrer. E precisam exigir de seus deputados federais e senadores que, se for possível, e se não for pedir muito, parem de votar contra o municipalismo.

Mesmo a chamada direita nacional tem apoiado emendas constitucionais e até leis federais que afrontam claramente a autonomia municipal. Isso ocorreu voluntariamente, por se achar moderna ao ponto de desprezar o municipalismo, ou involuntariamente, por falta de cultura política e de não ver que o município é um pilar da liberdade de escolha, especialmente de valores conservadores.

O que dizer de decisões do Supremo Tribunal Federal que avançam sobre a autonomia dos municípios? A Constituição Federal de 1988 trouxe, no art. 1º, de forma inequívoca, o município como ente da federação, e tem um capítulo específico sobre os municípios, com o artigo 30 referindo-se à competência de legislação própria sobre temas de “interesse local”. Além disso, o artigo 34, VII, alínea “c”, criou a intervenção federal nos estados por violação da autonomia municipal. Tudo isso tem sido deixado de lado.

Expressões como “município” e “municipalismo” sub-repticiamente passaram a ter um ar cafona, antiquado, como se estivessem ultrapassadas. Foram lenta e propositalmente sendo substituídas por outras novidadeiras, como “cidade” e “urbano”. A “direita conservadora” não viu a razão. E já paga caro por isso. A substituição não foi uma coincidência. Foi pensada estrategicamente.

A expressão “cidade” substitui o “município”. Ela esquece, por ter nojo, das “zonas rurais”, dos “distritos”, ou seja, as “áreas menos urbanizadas”. Por esse motivo — não vou me estender aqui —, o progressismo já avança, falando que grandes cidades merecem um status de quase-estados. O nojo ao povão perdeu a vergonha.

Nos últimos 35 anos, desde a promulgação da Constituição de 1988, nunca deixaram nem sequer escondido no Brasil que iriam tentar matar os municípios. E até contaram com o apoio da “direita nacional”, que, sejamos francos, tecnocrata e “elitista”, acreditava que a centralização em Brasília daria coisa boa. Não deu.

Três exemplos: (1) Fernando Henrique centralizou receitas em Brasília, com o aumento das contribuições (que não geram repasse aos municípios); (2) impuseram a diminuição de número de vereadores, o que reduziu a representatividade popular e não trouxe, para a surpresa de zero pessoa, nenhuma redução de custo; (3) até chegarmos à reforma tributária.

Pedestres, pessoas, ruas, cidades
Pessoas nas cidades: município vai além da zona urbana. Crédito: Pixabay

Nesse caminho, as reformas constitucionais e as leis federais empurraram deveres para os municípios prestarem serviços e fornecerem políticas públicas das mais variadas.

É preciso ressuscitar a ideia do MUNICÍPIO, com os contornos brasileiros. A “sede”, os “distritos”, as “zonas rurais”, enfim, toda a sua complexidade cujas noções novidadeiras foram enfraquecendo.

Se 2026 passa por 2024, uma frase que foi muito usada nas eleições, então, que efetivamente 2026 traga ações concretas em prol dos valores locais. E não apenas que os eleitos em 2026 se apropriem de votos e, em mero artifício semântico, gritem, histrionicamente, bordões vazios de sentidos objetivos.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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