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É professor e bacharel em filosofia

Por que pessoas em situação de rua são tratadas como problema a ser removido do mapa?

O episódio entre Cabo Frio e Linhares precisa ser investigado com seriedade. Se confirmada a intencionalidade da remoção, trata-se de uma grave violação dos direitos humanos

  • Paulo Brandão É professor e bacharel em filosofia
Publicado em 11/04/2025 às 11h36

A Gazeta noticiou um caso que escancara o abandono das pessoas em situação de rua no Brasil: doze pessoas em situação de rua foram levadas de Cabo Frio (RJ) até Linhares (ES), sob a promessa falsa de emprego e acolhimento. Chegaram sem destino, sem abrigo, sem explicações. Foram descartados, como se suas vidas não tivessem valor. Essa ação violenta e silenciosa lembra o conceito de "vida nua", do filósofo Giorgio Agamben: pessoas cuja existência está exposta à morte e ao abandono, sem proteção legal, sem direitos reconhecidos — reduzidas à sua mera sobrevivência.

A resposta de Linhares, por outro lado, nas redes sociais, revelou um gesto de humanidade. O prefeito Lucas Scaramussa e sua equipe agiram rapidamente para acolher essas pessoas, oferecendo abrigo, alimentação e dignidade. Mais do que assistência social, foi uma resposta ética. A cidade não ignorou o drama humano que lhe foi imposto, mesmo sem responsabilidade direta. Mas isso levanta uma questão incômoda: por que as cidades ainda tratam a pobreza como problema a ser removido do mapa?

A suspeita é que a gestão de Cabo Frio, comandada por um partido conservador, pode ter adotado uma prática de “limpeza social”, removendo pessoas em situação de rua para manter a “imagem” da cidade turística. Isso remete ao que já aconteceu em outros momentos da história brasileira, como nas remoções de favelas no Rio de Janeiro no século XX. Sob o pretexto da modernização, populações pobres foram empurradas para as margens da cidade. Agora, a história parece se repetir — com novas estratégias, mas o mesmo desprezo.

As opiniões em Linhares, no Instagram do prefeito, também mostram como o país está dividido. Moradores como “Ana Paula” elogiaram a acolhida e o gesto humano da prefeitura. Já outros, como o aposentado “João”, se preocupam com o impacto nos serviços públicos. A estudante “Carla”, por sua vez, critica a ausência de políticas eficazes em cidades que preferem esconder o problema a enfrentá-lo.

Essa tensão revela algo mais profundo: o Brasil não tem uma política nacional articulada para lidar com a população em situação de rua. As ações são pontuais, reativas e, muitas vezes, desumanas. Falta planejamento, prevenção, cuidado contínuo. As prefeituras esperam a crise estourar para então agir. Enquanto isso, vidas humanas são tratadas como objetos: levadas de um canto a outro, sem rumo, sem respeito, sem futuro.

Cerco eletrônico registrou momento da passagem de micro-ônibus em Linhares
Cerco eletrônico registrou momento da passagem de micro-ônibus em Linhares. Crédito: Divulgação/Prefeitura de Linhares

O episódio entre Cabo Frio e Linhares precisa ser investigado com seriedade. Se confirmada a intencionalidade da remoção, trata-se de uma grave violação dos direitos humanos. Responsabilizar os envolvidos é essencial para que práticas como essa não se repitam. Afinal, o que está em jogo não é apenas uma questão de gestão pública — é o valor da vida humana em sua forma mais vulnerável.

É urgente que governos municipais, estaduais e federal desenvolvam políticas integradas para garantir dignidade, moradia, saúde e reintegração social a quem vive nas ruas. Não é mais possível tratar essas pessoas como lixo humano. Que a solidariedade de Linhares inspire um novo caminho: o de enxergar o outro como alguém que merece viver, e não apenas sobreviver.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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