Embora diversas e multifacetadas as propostas de reforma tributária cogitadas no Brasil nos últimos anos, parecem ser objeto de consenso os motivos que inspiraram as suas distintas formulações. Apontado como uma das principais travas ao desenvolvimento econômico do país, o atual sistema tributário desperta juízos depreciativos em todos os quadrantes do espectro político, ademais de pouco agradar o mercado e, também, a sociedade civil.
São quase insuscetíveis de contestação as críticas que acentuam os seus traços de regressividade, cumulatividade e complexidade, além da sua potência erosiva ao pacto federativo, disfunções que se têm mostrado letais ao mister de edificar um sistema tributário moderno, eficiente e alinhado com as melhores práticas internacionais.
Neste texto, abordaremos a sui generis complexidade do sistema vigente e as fragilizações por ele germinadas no âmbito das relações federativas, reservando ao próximo artigo os vícios da regressividade e da cumulatividade que também lhe são amiúde imputados.
São pródigos os dados empíricos que evidenciam ser o sistema tributário brasileiro o mais complexo no cenário internacional. Publicado em 2021 pelo Banco Mundial, o Relatório Doing Business revelou que as empresas brasileiras levam, em média, até 1.501 horas por ano para efetuar o pagamento de tributos, ao passo que a média dos países que integram a OCDE é de apenas 156 horas.
Soma-se a isso o registro de que, nos últimos 35 anos, foram editadas cerca de 445 mil normas tributárias no Brasil, que se multiplicaram anarquicamente entre legislações federais, estaduais e municipais, impondo às empresas – segundo levantamento realizado pelo IBPT em 2021 – um custo anual de R$ 181 bilhões para manter colaboradores, sistemas e equipamentos dedicados a acompanhar as constantes mutações legislativas.
Nesse sentido, a combinação de um elevado número de tributos, de diversos regimes especiais, de normatizações labirínticas e de uma produção legiferante dinamizada em ritmos frenéticos singulariza a ordem tributária nacional como a mais caótica do mundo.
Um dos melhores termômetros do grau de complexidade de um sistema tributário se deixa descobrir no contencioso a ele correlato: apurou-se, em pesquisa publicada pelo Insper em 2020, que se encontram sob litígio entre Fiscos e contribuintes, na atualidade, mais de R$ 5,44 trilhões, montante que corresponde a cerca de 75% do PIB brasileiro.
Se ponderados apenas os processos judiciais movidos por grandes empresas, tem-se hoje em contenda mais de R$ 559 bilhões em tributos, consoante noticiou recente estudo do Valor Data. Oportuna a advertência de que esses sintomáticos números não derivam apenas de sonegações fiscais; parcela considerável deles responde a divergências de interpretação derivadas do hermetismo da legislação tributária.
O fato é que a extraordinária complexidade retratada pelos indicadores estatísticos do contencioso fiscal, ademais de promover um estrangulamento de atividades econômicas, tem por efeito repelir investimentos do capital privado, face à insegurança jurídica engendrada por um cipoal de normas alteradas ininterruptamente pelas 27 Unidades Federadas e pelos 5.568 municípios brasileiros.
Outra frequente reprimenda dirigida ao atual sistema tributário, como antecipado, centra-se na potência erosiva ao pacto federativo que ele historicamente suscitou. Os moldes constitucionais em que delineado originalmente o ICMS desencadearam práticas concorrenciais agressivas entre os Estados sob o propósito de atrair empresas para os seus territórios, fenômeno que se convencionou designar de “guerra fiscal” e que provocou graves sequelas no plano das relações político-institucionais.
Também constituiu fator a acirrar essa ambiência de conflagração federativa a segmentação da base de tributação do consumo em “bens” e “serviços”, sujeitos à exação de diferentes impostos (ICMS e ISS, respectivamente). Essa resolução deu causa a inúmeros antagonismos entre Estados e Municípios na classificação da natureza de novos produtos, multiplicando conflitos verticais de competência que saturaram os Tribunais Superiores, quadro que explica porque o Brasil é o único país, dentre as economias avançadas, a manter seccionada a base de incidência dos tributos sobre o consumo.
Construído, pois, o diagnóstico de um sistema que, além de estressar as interações federativas, projeta uma eficácia liberticida no domínio econômico, parece unânime a conclusão de que uma reforma tributária é necessária no Brasil. Mas – considerando os múltiplos interesses em jogo e a pluralidade de alternativas de conformação do novo sistema – que reforma? Eis a questão ainda pendente de definitiva resposta no debate nacional.
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