Na última segunda-feira (1º), o Ministério do Trabalho e Previdência (MTP) publicou a Portaria n. 620 de 2021, que proibiu a exigência, pelo empregador, de certificado de vacinação em processos seletivos de trabalhadores, assim como a demissão por justa causa em razão da não apresentação de certificado de vacinação.
A norma mal foi publicada e já causou controvérsias, principalmente acerca de sua inconstitucionalidade. Mas, é indispensável que haja prudência no exame de sua (in)aplicabilidade.
Diante do cenário atual, sem adentrar na análise pelo princípio da legalidade, o que se pode discutir é que, pelo fato de a Portaria estar hierarquicamente abaixo da Constituição Federal e das Leis, esta não poderia, de forma alguma, ir de encontro a seus preceitos. Ciente disso, a Portaria se utiliza de princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana e a livre iniciativa, para justificar que a exigência de vacinação possui caráter discriminatório.
De fato, não cabe ao empregador adentrar na esfera privada da vida de seus funcionários, porém, essa afirmação se sustenta apenas quando os atos (ou omissões) destes não importem prejuízo à coletividade, sobretudo quando se trata de saúde e segurança no trabalho.
Sobre isso, em 2020 o Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento de que a Covid-19 poderia ser considerada doença ocupacional. À época, a decisão gerou grande preocupação, já que o empregador poderia ser responsabilizado pela contaminação de seus funcionários em decorrência de um vírus invisível e facilmente disseminado.
Em meados de 2021, deu-se início à vacinação contra a Covid-19 em território nacional. O empregador, seguindo no cumprimento de seus deveres, sob pena da responsabilização chancelada pelo STF, além de já ter implementado medidas de segurança, passou a cobrar dos funcionários a comprovação de vacinação e, em decorrência lógica, a aplicar penalidades àqueles que eventualmente se recusassem a realizá-la, inclusive por meio de dispensa por justa causa.
Nesse sentido, a partir da edição da Portaria n. 620, o Ministério do Trabalho entra em contradição com a decisão do STF, e coloca o empregador em verdadeira situação de vulnerabilidade, já que pode ser responsabilizado pelo contágio da doença em seu ambiente de trabalho, mas não pode exigir o cumprimento de medida essencial para evitá-lo, que é a vacinação.
O colaborador que opta por não se vacinar não pode transferir ao empregador os ônus de sua atitude, este que, na execução de seu poder/dever, tem de zelar pela saúde coletiva de seus colaboradores, mesmo que em detrimento do direito à liberdade individual de determinado colaborador.
Por certo, já é consolidado no Poder Judiciário o entendimento de que os direitos fundamentais não são absolutos, sendo possível que, em determinados casos, direitos de âmbito coletivo se sobreponham aos individuais. Sabe aquele ditado popular de que “o seu direito vai até onde o do outro começa”? É exatamente isso.
Não há dúvidas de que, ante o entendimento do STF supramencionado, o descumprimento da Portaria pelo empregador seja plenamente aceitável. Porém, esse raciocínio não se encaixa automaticamente a todas as hipóteses, de modo que cada caso deve ser analisado em suas peculiaridades.
Partindo da ideia de proteção à coletividade – fundamento que ensejou a decisão do STF –, não se pode ignorar o fato de que, por exemplo, inexistindo exposição a outros colegas no regime de home office, a exigência de vacinação ou a dispensa por justa causa em razão de sua ausência não se mostram razoáveis.
Ou seja, se o empregador não promove o contato do colaborador com demais colegas no ambiente de trabalho, pode, sim, ser considerada arbitrária e discriminatória a aplicação de penalidade por ausência de vacinação, já que afastado o risco de contaminação do vírus por exposição no local de trabalho.
Ainda que a Portaria, além de inconstitucionalidades, carregue o estigma de retrocesso, não podemos olvidar que a exigência da vacina na esfera trabalhista não pode ter caráter político, tampouco se tratar de uma imposição injustificada, mas deve ser instrumento indispensável de busca à efetivação da saúde e segurança do trabalhador.
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A norma em comento, portanto, deve ser relativizada, porém, por mais absurda que pareça, não deve ser simplesmente ignorada.
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