O tema porte de arma de fogo no Brasil é polêmico. A temática é insistentemente discutida com base em justificativas e argumentos apaixonados, em alguns momentos há inclusive certa glamourização. Em regra, observa-se que a discussão acerca do porte de arma vem se misturando com temáticas jurídicas e sociais, tornando o assunto, já complexo, ainda mais confuso.
Há argumentos que se utilizam de um místico conceito do direito de autodefesa do cidadão, que por sua vez conecta-se à ampla justificativa de combater a epidêmica violência urbana. Recentemente, um novo ingrediente foi inserido ao tema, na medida em que o direito ao porte de arma da população poderia ensejar certa reatividade aos comandos do Poder de Polícia inerentes à Administração Pública, dando a entender que poderia existir certa desobediência civil pelo uso da força e violência contra autoridades legalmente constituídas, caracterizando assim uma real afronta ao Estado Democrático de Direito.
Dentro deste panorama complexo e polêmico, o ordenamento jurídico determina como competência exclusiva da Psicologia a realização indispensável de avaliação psicológica para compor os requisitos da concessão da aquisição e do porte. A questão é que, qualquer que seja a justificativa subjetiva que o cidadão atribua ao direito de portar arma de fogo, há necessidade de realização de avaliação psicológica conduzida por psicólogos devidamente capacitados e credenciados.
O objetivo precípuo da avaliação é aferir de forma minimamente preditiva as condições e as características de personalidade, bem como habilidades subjetivas específicas dos usuários de arma de fogo que possam permitir o uso dentro dos limites legais e com uso proporcional e moderado da força. Nos últimos anos, os órgãos de fiscalização têm buscado aperfeiçoar a avaliação psicológica para concessão do porte de arma de fogo, numa tentativa válida de impedir que pessoas inabilitadas e despreparadas psicologicamente tenham acesso ao armamento e com isso aumentem as estatísticas de homicídios e suicídios na população, bem como impedir que o uso da arma seja, digamos, utilizado para fins obtusos e incompatíveis em uma sociedade em que o respeito à lei imposta a todos é requisito de convívio social. Portanto, o aspirante ao porte da arma de fogo que flerte com qualquer forma nefasta de desobediência civil deve ser imediatamente identificado e inabilitado durante o processo de avaliação psicológica.
Infelizmente, tal iniciativa de se estabelecer avaliações psicológicas metodologicamente rigorosas pode ser tornar inócua ou insuficiente caso autoridades relevantes e com influência sobre parcela da população fragilizem de forma indireta os requisitos estabelecidos em lei para que cidadãos sejam autorizados a portar arma de fogo. Cabe ao profissional da Psicologia, em que pese todas dificuldades financeiras e de mercado, não se deixar cooptar no sentido de relativizar e fragilizar as avaliações psicológicas, mesmo que, pelo prisma da legalidade, tais avaliações tenham respaldo, elas não podem estar desvinculadas da realidade política que fomenta desobediência civil, relativizando valores do Estado Democrático de Direito.
As avaliações psicológicas, antes de tudo, também são serviços de saúde mental e podem produzir reflexos dolorosos para muitas famílias quando conduzidas apenas de maneira legal, mas descolada da realidade político-social."
Dilson Vicente Nunes é psicólogo e coordenador de Armamento e Tiro da Polícia Civil do Espírito Santo, e Leonardo Del Puppo Luz é psicólogo credenciado na Polícia Federal e servidor do Ministério Público Federal no Espírito Santo
* Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta
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