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É médica infectologista

PrEP: por que ainda resistimos à medicação que previne o HIV?

A expansão desse serviço esbarra não somente em questões estruturais, mas também no preconceito embutido nas discussões sobre prevenção ao HIV

  • Ana Carolina D'Ettorres Coelho É médica infectologista
Publicado em 24/02/2025 às 15h30

A ciência já comprovou: a PrEP (profilaxia pré-exposição ao HIV) reduz em mais de 98% o risco de infecção pelo vírus. É gratuita pelo SUS, está disponível em centenas de municípios brasileiros e tem mudado o cenário do HIV em vários países. Ainda assim, o debate sobre seu uso segue cercado por resistência, desinformação e, em alguns casos, um silêncio estratégico.

O Brasil atingiu, em 2024, a marca de 109 mil usuários da PrEP, um avanço considerável em relação a 2022, quando eram 50,7 mil. No entanto, esse número continua longe de refletir todo o potencial da estratégia. Para muitas pessoas que poderiam se beneficiar da profilaxia, a informação nem sequer chega. E, quando chega, vem carregada de desconfiança, como se usar essa proteção fosse um privilégio ou algo moralmente questionável.

A resistência à PrEP muitas vezes vem travestida de preocupação com a saúde pública, como no argumento de que seu uso levaria ao aumento de outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). Mas os dados não sustentam essa ideia. Em Sydney, um dos locais onde a PrEP foi amplamente adotada, o que se observou foi um aumento temporário no diagnóstico de ISTs, não porque elas se tornaram mais comuns, mas porque os usuários da PrEP passaram a realizar exames mais frequentes. Isso permitiu um tratamento precoce e a interrupção da cadeia de transmissão.

Outro argumento recorrente contra a PrEP é a ênfase exclusiva nos preservativos como método de prevenção. Não há dúvidas de que o preservativo é fundamental, mas ele nunca foi uma solução única; basta ver o crescimento dos casos de sífilis, que poderiam ser evitados com seu uso, mas continuam aumentando. Se a realidade mostra que muitas pessoas não usam camisinha de forma consistente, por que insistir em um único método de prevenção, quando existem outras ferramentas eficazes?

Além de ser eficaz, a PrEP também é acessível, pode ser prescrita por enfermeiros, farmacêuticos e médicos da atenção primária à saúde ou dos serviços especializados. O Brasil conta hoje com 939 unidades dispensadoras (UDMs) de PrEP em 540 municípios, mas isso ainda não significa que todos que precisam tenham acesso.

A expansão desse serviço esbarra não somente em questões estruturais, mas também no preconceito embutido nas discussões sobre prevenção ao HIV. Muitos ainda enxergam a PrEP como algo destinado apenas a um grupo específico, ignorando que qualquer pessoa sexualmente ativa pode se beneficiar dessa proteção.

Mas a questão vai além da desinformação. A quem interessa que populações em vulnerabilidade social, que continuarão expostas ao vírus porque falhamos como sociedade em retirá-las dessa condição, sigam arriscando suas vidas diariamente? Não há justificativa para permitir que uma ferramenta capaz de salvar vidas continue sendo tratada com descaso. Se há algo que sabemos com certeza, é que o HIV não espera.

A PrEP é o uso diário de antirretrovirais para prevenir e reduzir o risco de adquirir a infecção pelo HIV
A PrEP é o uso diário de antirretrovirais para prevenir e reduzir o risco de adquirir a infecção pelo HIV. Crédito: Shutterstock. Crédito: Shutterstock

A PrEP não substitui outras formas de prevenção, mas complementa uma estratégia mais ampla e realista. Ignorar seu impacto ou frear sua expansão significa manter grupos inteiros em risco desnecessário. Enquanto isso, os números mostram o que acontece quando a PrEP é implementada de forma ampla: em São Paulo, o número de usuários cresceu 865% entre 2018 e 2023, e os casos de HIV caíram 45% em 2022.

Diante desses dados, a pergunta não deveria ser se a PrEP funciona, porque já sabemos que sim. A questão real é: por que ainda não falamos o suficiente sobre ela?

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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