Na linha de frente de combate à pandemia de Covid-19, os profissionais de saúde são os mais vulneráveis e que mais necessitam de medidas e materiais de proteção. Estes que incluem desde o fornecimento de equipamentos que resguardem estas pessoas da contaminação pelo vírus, até o afastamento de trabalhadores que façam parte dos grupos de risco e integrem as equipes de atendimento.
O trabalho em contato com pacientes acometidos pela covid-19 pode ensejar o pagamento do adicional de insalubridade e a contagem especial para a aposentadoria.
Ademais, seguiu para a sanção presidencial em 14 de julho de 2020 o Projeto de Lei nº 1.826, que prevê o pagamento pela União de indenização no valor de 50 mil reais aos profissionais de saúde que, por meio do contato direto com pacientes acometidos pela Covid-19, se tornarem permanentemente incapacitados para o trabalho.
Mais importante do que a retribuição pecuniária pela potencialidade de danos à saúde é a prevenção. Daí a importância da limitação da jornada, dos intervalos, da folga semanal e das férias. Com a vigência da Lei 13.467/2017, passou a ser admitida a pactuação por escrito de acordo entre empregado e empregador para a adoção do regime de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso, observados ou indenizados os intervalos para repouso e alimentação.
Trata-se de flexibilização precarizante, pois viabiliza o elastecimento da jornada e a monetização da saúde, com a troca do descanso efetivo pelo pagamento do intervalo.
Em que pese a importância da atuação desses profissionais, são autorizadas medidas no período de calamidade que descem mais alguns degraus na escala de proteção.
A medida provisória nº 927 de 2020 admite, mediante acordo individual escrito, a prorrogação da jornada mesmo no regime de 12 por 36. Isso pode ocorrer por motivo de força maior, em virtude de serviços inadiáveis ou cuja inexecução possa acarretar prejuízo manifesto. Também admite que o acordo individual estabeleça que o plantão, inicialmente de 12 horas, passe a ser de 24 com 12 horas de descanso.
O acréscimo de horas poderá ser compensado com a redução da jornada ou com a concessão de folgas em outros dias, no prazo de até dezoito meses após o encerramento do estado de calamidade pública. Ademais, é autorizada a suspensão das férias e de licenças não remuneradas.
A referida medida provisória vigorou até 19 de julho de 2020, mas as medidas que foram pactuadas no período de sua vigência, ainda são válidas e podem ser mantidas durante o estado de calamidade pública
Tais medidas podem potencializar os abalos à saúde desses profissionais, que enfrentam os efeitos da lida diária no front de uma grande batalha. Muitos já adoeceram pela Covid-19, por estresse, ansiedade, crise de pânico e depressão, ensejando o afastamento do trabalho.
No caso dos profissionais de saúde que estão em atividade no combate à pandemia, existe grande probabilidade de ser reconhecido o nexo entre tais males e o trabalho, o que assegurará o recolhimento do FGTS no período de afastamento e a garantia provisória de emprego.
A inobservância das obrigações trabalhistas pelo empregador, pode inviabilizar a continuidade do contrato e justificar o pedido de rescisão indireta, que, se acolhido, ensejará o conjunto mais amplo de obrigações rescisórias.
Mesmo com a hipótese de oposição dos empregados ao cumprimento de suas funções devido à falta de condições mínimas de segurança – estando vigente o contrato de trabalho –, este será apenas um pseudodireito de resistência, haja vista a hipossuficiência dos trabalhadores. Tudo isso demonstra a importância de serem relatadas irregularidades às entidades representativas, ao Ministério Público do Trabalho e aos órgãos de fiscalização.
Assim, a pandemia evidencia que aqueles que cuidam são os que mais precisam de cuidados. A flexibilização das normas protetivas abre um flanco perigoso capaz de permitir a acelerada degradação da integridade dos profissionais da saúde e, consequentemente, de toda a população. A cura para o vírus neoliberal está longe de ser a precarização dos direitos e garantias trabalhistas, que avança a passos largos, tal como o número de infectados pela Covid-19 no Brasil.
*A autora é doutora em Direito do Trabalho, professora da Faculdade de Direito Milton Campos e advogada do Andrade, Nigri & Dantas Sociedade de Advogados
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