Desde o século 5 a.C, quando apenas um quinto da população de Atenas podia participar das eleições, até os tempos atuais, em que mais da metade dos seres humanos no mundo vão às urnas escolher seus representantes, o voto se firmou como um meio efetivo de seleção de representantes políticos e auge do exercício democrático.
Atualmente, porém, a discussão sobre a liberdade do voto tem alcançado também o ambiente de trabalho, fomentando uma importante e crescente discussão sobre o assédio eleitoral.
Nas eleições de 2022, o Ministério Público do Trabalho (MPT) recebeu 3.477 denúncias de assédio eleitoral, sendo que mil delas foram arquivadas por existência de investigação idêntica anterior, o que demonstra que há recorrência na prática. Considerando que muitas pessoas não denunciam este fato, a possibilidade desse número ser significativamente maior é muito alta.
Também na Justiça, multiplicam-se os processos com esse tema, o que levou o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) a editar uma resolução sobre as providências a serem adotadas nesse tipo de ação. Entre outras questões, a norma determina que o juiz do trabalho comunique as autoridades competentes sobre a ocorrência de crime.
Para a lei brasileira é crime a oferta de algum benefício ou a prática de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar ou não em determinado candidato. Por sua vez, no âmbito do Direito do Trabalho, o CSJT define assédio eleitoral em função da existência de distinção, exclusão ou preferência do trabalhador, além de coação, ameaça ou constrangimento decorrentes da convicção política.
Alcançando ou não o âmbito criminal, a prática de assédio eleitoral vai de encontro à pauta ESG. Primeiro, por violar os direitos humanos dos trabalhadores, que asseguram a toda pessoa o direito à participação democrática, segundo o artigo 21 da Declaração Universal que versa sobre o tema. Em segundo lugar, porque representa uma afronta a um ambiente ético e aderente às melhores práticas de compliance e governança.
A grande dificuldade hoje reside na interpretação sobre quais atos podem ou não ser considerados assédio eleitoral. Em uma recente decisão, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) entendeu que houve assédio eleitoral por uma rede de lanchonetes que apoiou as manifestações de março de 2016 contra a corrupção e contra o governo à época.
Houve uso de cartazes e distribuição broches aos seus clientes com dizeres patrióticos. Para o TST, a campanha ostensiva da empresa, ainda que voltada ao público externo, impôs um constrangimento aos empregados que trabalharam nos restaurantes à época e que poderiam, por exemplo, apoiar o governo vigente.
Esse, porém, não foi o entendimento dos julgadores de primeira e segunda instância, que, no mesmo processo, entenderam que não houve constrangimento, intimidação ou discriminação. Para eles, é preciso também respeitar as liberdades econômica e de expressão política de ambas as partes. A liberdade de uma não pode tolher ada outra.
Embora o limite entre a liberdade de expressão e o assédio eleitoral possa ser muito tênue, há formas de prevenir que o assunto chegue à Justiça do Trabalho. E certamente o uso de ferramentas de compliance é a melhor delas. Canais de denúncia, normas internas, treinamentos e outros instrumentos previstos nos programas de integridade podem ser importantes aliados para prevenir condutas impróprias e até mesmo solucionar dúvidas dos envolvidos, garantindo o pleno exercício dos direitos de empregados e empregadores.
Tudo isso porque a classe política é decisiva na construção de políticas públicas que interferem diretamente na maturidade ambiental, social e institucional de uma nação. É essa classe que tem o poder de legislar sobre um tema e executar iniciativas que podem acelerar pautas de transição para uma realidade mais justa e equânime. Tentar limitar o direito de eleger os melhores representantes ou de debater suas propostas é comprometer a construção de um futuro melhor.
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