Autor(a) Convidado(a)
É professor de Filosofia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (Ifes) - Campus Venda Nova do Imigrante

Qual o valor da amizade em tempos de solidão nas redes sociais?

Afastamo-nos uns dos outros quando começamos a olhar nosso semelhante como se ele fosse um inimigo. Com isso, é muito comum que as relações e a construção de amizades sinceras sejam enfraquecidas diante do egoísmo deste tempo

  • Edson Kretle dos Santos É professor de Filosofia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (Ifes) - Campus Venda Nova do Imigrante
Publicado em 16/03/2024 às 10h00

Somos marcados pela fragilidade e pela finitude. O que poderia ser um aspecto negativo da vida humana faz com que criemos vínculos de amor e de amizade para suportarmos o peso de nossa breve estadia na Terra. Nessa constante busca para vencermos essa condição frágil, encontramos nos amigos pessoas que preenchem nossa existência, pois certamente a vida seria impossível sem a presença desses anjos quando duvidamos de nossas próprias forças e celebramos nossas conquistas.

Por isso, estimado leitor, faço um convite para conversarmos sobre os laços de amizade, afinal, existem amigos mais próximos do que um irmão (Pv 18,24).

Relembrar o valor da amizade se torna muito importante numa época de crescente solidão, de “amizades” virtuais que começam e terminam com um clique. É fato que, mesmo conectados com centenas ou milhões seguidores, nos sentimos sós. Infelizmente, afastamo-nos uns dos outros quando começamos a olhar nosso semelhante como se ele fosse um inimigo. Com isso, é muito comum que as relações e a construção de amizades sinceras sejam enfraquecidas diante do egoísmo deste tempo.

Como resultado, temos o esquecimento do outro como alguém crucial no florescer humano. Muitos problemas do país seriam reduzidos se fôssemos mais solidários e amigos entre nós. Certamente, com a presença desse sentimento, haveria menos violência, menos desigualdade social, menos mentiras e até mesmo menos injustiças, uma vez que “a amizade é superior a esta porque esta não é necessária entre amigos” (Aristóteles). Ou seja, amigos verdadeiros se compreendem e são sempre justos entre si, porque a equidade é a raiz que nutre a amizade.

A vida só faz sentido se compartilhada com amigos

Para o pensador Aristóteles (III a. C), ser e ter amigos é uma das virtudes mais necessárias aos humanos, pois as coisas boas oferecidas pela vida, como saúde, alimentos, bens materiais, dinheiro e lazer não fazem sentido sem amigos à volta. A amizade pode ser baseada na utilidade recíproca, no prazer ou no bem. As duas primeiras acabam quando o prazer e a utilidade cessam.

No popular, são aquelas pessoas que se fazem próximas quando tudo em nossa vida está muito bem, mas desaparecem nos momentos dos fracassos e das tribulações. Confúcio traduziu esse tipo de “amizade” assim: “Para conhecermos os amigos, é necessário passar pelo sucesso e pela desgraça. No sucesso, verificamos a quantidade e, na desgraça, a qualidade.”

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Relembrar o valor da amizade se torna muito importante numa época de crescente solidão. Crédito: Pixabay

Já a amizade alicerçada no bem é a amizade verdadeira, pois se apoia na comunhão solidária entre pessoas, marcada por afetos positivos. Para ser mantida, exige cuidado, diálogo, perdão e, acima de tudo, bondade, pois, segundo o pensamento de La Boétie (1530-1563), “quando os maus se reúnem há uma conspiração, não há sociedade. Não se amam, mas se temem. Não são amigos, mas cúmplices.”

É impossível uma sociedade educada nessas virtudes não ser feliz

A meu ver, querido leitor, é impossível uma sociedade educada nessas virtudes não se tornar um povo feliz e próspero em todos os sentidos. Outro aspecto muito importante e sempre atual na teoria aristotélica da amizade é que ela é uma virtude que adquirimos pelo hábito, ou seja, se aprende a se tornar um bom amigo a cada dia quando se coloca em prática e se cultiva o amor pelo próximo.

Vivemos em um mundo polarizado e se torna muito comum nos aproximarmos de quem pensa igual a nós na política, nos costumes, no esporte, na religião etc. Isso é um grande engano, pois a amizade sincera não consiste numa identidade de opiniões.

Uma vez perguntaram ao filósofo Michel de Montaigne (1533-1592) porque ele amava seu melhor amigo, Étiene La Boétie, e ele prontamente respondeu: “porque era ele; porque era eu”. Ou seja, apenas com respeito pelas diferenças entre amigos é que surge um nós. Portanto, o segredo da amizade duradoura nasce quando nos comportamos em relação ao amigo da mesma forma que agimos conosco. Sendo assim, a máxima da amizade pode ser resumida em “comportar-se com o amigo como consigo mesmo vendo nele um outro eu” (Aristóteles).

“Vale mais perder tempo com os amigos a perder amigos com o tempo.”

Então, para colocarmos essa teoria em prática, sugiro, assim que possível, que o estimado leitor relembre de alguns dos seus amigos e faça uma ligação, envie áudio ou mande uma mensagem dando notícias suas e pedindo também. Não perca tempo, pois lhe asseguro que “vale mais perder tempo com os amigos, que perder amigos com o tempo” (autor desconhecido).

Por fim, caro leitor, acredite que ter amigos é uma forma de Deus cuidar todos os dias de você. O papa João XXIII diz que “se Deus criou sombras é porque foi para melhor enfatizar a luz”. Sem dúvida, amigos são essas luzes, pois só superamos a terrível fragilidade da condição humana quando agimos juntos. Que a vida nos conceda o dom de muitas amizades, já que apenas dessa forma o reino de amor e respeito se estenderá sobre os desertos áridos da solidão.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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