O Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo (TJES) deu um passo significativo no fortalecimento da proteção ao consumidor ao adotar a tese do chamado "ilícito lucrativo" em um julgamento recente. Essa concepção, amplamente defendida pela Procuradoria Geral do Estado e pela doutrina do processo administrativo, aponta que muitas empresas, ao violarem a legislação de consumo, fazem um cálculo estratégico: optam por práticas ilícitas porque as penalidades aplicadas pelo Procon são inferiores às vantagens econômicas obtidas. Em outras palavras, a infração torna-se um custo operacional, compensado pelos lucros gerados pela conduta abusiva.
A adoção desse entendimento é especialmente relevante porque historicamente o TJES reduzia as multas administrativas aplicadas pelo Procon sob o argumento da proporcionalidade e da razoabilidade. Essa prática, embora bem intencionada, muitas vezes enfraquecia a capacidade punitiva e pedagógica das sanções, permitindo que empresas continuassem a desrespeitar os direitos dos consumidores sem receio de consequências significativas.

Contudo, no caso julgado (Apelação Cível n.º 0034012-08.2019.8.08.0024), o TJES reafirmou a importância de que as multas sejam proporcionais não apenas à gravidade da infração, mas também à vantagem auferida pelo infrator e à sua condição econômica, conforme disposto no artigo 57 do Código de Defesa do Consumidor.
O conceito de ilícito lucrativo é central nesse debate. Ele parte do reconhecimento de que, para algumas empresas, a violação das normas de consumo é lucrativa enquanto as sanções administrativas não forem suficientemente severas para superar o ganho obtido com a prática ilegal. Assim, a aplicação de penalidades elevadas visa alterar essa equação, tornando o descumprimento da legislação desvantajoso do ponto de vista econômico. No caso analisado, o tribunal entendeu que o valor fixado na multa seguia esses critérios e que a redução seria inadequada, pois comprometeria o efeito dissuasório da punição. Além disso, o TJES reforçou que o controle judicial sobre os atos administrativos deve se limitar à legalidade e à legitimidade, sem interferir no mérito das decisões proferidas por órgãos de defesa do consumidor como o PROCON.
Essa mudança de posicionamento representa um marco importante para as relações de consumo no Espírito Santo. A aplicação de multas que superem as vantagens obtidas com o ilícito tem o potencial de mudar a forma como empresas se relacionam com seus consumidores. Ao perceberem que as infrações não serão mais toleradas como um "custo do negócio", as empresas tendem a adotar práticas mais equilibradas, respeitando os direitos do consumidor e agindo de forma mais harmônica e ética.
O impacto dessa nova abordagem vai além da esfera punitiva. Ao proteger os consumidores de forma mais eficaz, o TJES contribui para restaurar o equilíbrio nas relações de consumo e reforça a confiança no sistema de proteção ao consumidor. Trata-se de um avanço alinhado aos princípios do Código de Defesa do Consumidor, que busca proteger a parte mais vulnerável da relação contratual e promover a igualdade material. Com a manutenção de multas proporcionais à gravidade das infrações e à capacidade econômica das empresas, espera-se que estas passem a priorizar o cumprimento voluntário das normas de consumo, investindo em conformidade e abandonando práticas que desrespeitam os consumidores.
A decisão do TJES, ao adotar a tese do ilícito lucrativo, traz uma nova esperança para o Estado do Espírito Santo. É uma sinalização clara de que os abusos não serão mais tolerados e que as empresas serão responsabilizadas de maneira efetiva pelos danos que causam à coletividade. Essa evolução jurisprudencial reforça o papel das sanções administrativas como instrumento de mudança de comportamento, incentivando práticas comerciais mais justas e relações de consumo mais harmoniosas.
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