O Brasil é multirracial e, ao mesmo tempo, desigual e promotor de várias injustiças. Por isso, nossa diversidade não significa igualdade na distribuição de acessibilidade, direitos, bens ou valorização da multiplicidade. Ou seja, a ideia da mestiçagem integradora de todas as etnias não passa de narrativa ridícula e perversa, pois esconde uma realidade desumanizadora e coloca cal sobre relações sociais violentas.
Os dados não mentem. Ainda somos um país onde negros são os principais alvos da violência. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 75% das vítimas da violência letal no Brasil são negras. Das mais de 2.600 mortes em ações policiais em 2020, 82,7% das pessoas eram negras. Na Bahia, em 2022, os dados sobem para 94,76%.
É assustadora a taxa de homicídio de homens negros no Brasil: quase quatro vezes maior do que os não negros. As pesquisas revelam que 80% dos jovens que morrem de maneira violenta, entre 15 e 19 anos, são negros.
Na outra ponta das estatísticas estão os policiais negros. Embora constituam 37% do efetivo das polícias, eles são 51,7% dos policiais assassinados. Se afunilarmos a análise nas mulheres, as negras morrem mais assassinadas e sofrem mais assédio do que as brancas.
Diante desses dados fica difícil não admitir que o racismo está em níveis estruturais na sociedade brasileira. Se por um lado a violência racial é escandalosa, por outro, a desigualdade econômica e de oportunidade também tem cor. Enquanto entre os brancos a informalidade alcança 32% dos trabalhadores e trabalhadoras, no contexto da população preta e parda o número vai para 43% e 47%, respectivamente.
Como explica André Simões, analista da Gerência de Indicadores Sociais do IBGE, a população preta e parda está inserida normalmente em ocupações de maior vulnerabilidade social, com rendimentos menores, e isso se reflete em menores rendimentos”.
Nesse sentido, a pobreza também tem explicações raciais. O racismo e a desigualdade racial são tão gritantes e factíveis que eu poderia infindavelmente continuar listando as vergonhosas estatísticas brasileiras. Basta simplesmente dizer que a nação que tem a imagem de ser acolhedora e festiva, na verdade (ou não somente isso), é racista.
Do ponto de vista constitucional e dos documentos internacionais, esse fenômeno com longa história, que nos leva aos navios negreiros e escravidão, é criminoso e viola os direitos fundamentais. Como exorta o Art. 2 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição”.
Na perspectiva do Evangelho, a forma como a população negra é tratada no Brasil tem uma definição: pecado. Mesmo que o protestantismo em alguns momentos tenha se alinhado e alimentado formas sociais escravocratas, nomes como John Wesley, Martin Luther King Jr., Rosa Parks, Desmond Tutu e os movimentos negros evangélicos brasileiros testemunham o histórico lugar da fé evangélica na denúncia e na luta contra a segregação, a escravidão, o racismo e as desigualdades raciais.
O Evangelho dos evangélicos é, antes de qualquer coisa, o anúncio das boas-novas aos que sofrem. Então, a fé evangélica é também, e especialmente, antirracista.
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