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É secretário de Estado da Fazenda (Sefaz)

Reforma tributária: não há qualquer risco de extinção do Simples Nacional

O Simples Nacional abriga mais de 90% das empresas brasileiras, e responde por cerca de 80% dos empregos formais gerados no país, segundo recente levantamento realizado pelo Sebrae

  • Marcelo Altoé É secretário de Estado da Fazenda (Sefaz)
Publicado em 16/06/2023 às 08h00

Tão logo principiados os debates sobre a reforma tributária, diversos setores econômicos externaram preocupação com o futuro do Simples Nacional, regime diferenciado de arrecadação, cobrança e fiscalização de tributos aplicável a microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP).

Deveu-se semelhante receio ao fato de que o modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), ao menos em suas formulações ideais, apresenta forte resistência aos regimes favorecidos de tributação, por encontrar na homogeneidade do sistema tributário um de seus predicados fundamentais.

A questão é relevante porque, transcorridos 17 anos desde a sua instituição pela Lei Complementar nº 123/06, o Simples Nacional abriga mais de 90% das empresas brasileiras, e responde por cerca de 80% dos empregos formais gerados no país, segundo recente levantamento realizado pelo Sebrae, constituindo temática que não pode ser secundarizada no mister de reformar o sistema de tributação do consumo plasmado na Constituição Federal de 1988.

O avanço das deliberações parlamentares, todavia, amainou o receio inicial: as duas Propostas de Emenda à Constituição apresentadas no Congresso – PECs 45 e 110 – cuidaram de preservar o Simples Nacional, solução replicada nas propostas construídas por estados e municípios, bem como pelo próprio governo federal. Esse quadro de pontual consenso permite assinalar, por conseguinte, a inexistência de qualquer risco de extinção do Simples na esteira da reforma tributária em gestação no Parlamento brasileiro.

Os textos finais das PECs 45 e 110 apresentam sólidas convergências no plano da regulação do Simples Nacional. Em linhas gerais, ambas conferem aos seus optantes a faculdade de recolher o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) pelo regime unificado, tal qual hoje se dá com os oito tributos contemplados na Lei Complementar nº 123/06 (IRPJ, CSLL, PIS, COFINS, IPI, CPP, ICMS e ISS).

Fala-se em “faculdade” porque o contribuinte poderá escolher entre (i) efetuar o pagamento dos novos tributos no âmbito do Simples e (ii) recolhê-los em separado, consoante as regras do regime normal de tributação. No primeiro caso, a tributação se baseará na incidência de alíquotas escalonadas em faixas progressivas sobre a receita bruta da ME ou EPP; no segundo, a exação do IBS e da CBS tomará por referência os valores adicionados em cada etapa da cadeia de produção e distribuição de bens e serviços, segundo a sistemática de débito e crédito, nos típicos moldes de um IVA.

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Impostos. Crédito: Shutterstock

A opção a ser adotada nesse domínio determinará, com efeito, a dinâmica de creditamento nas operações envolvendo empresas enquadradas no Simples Nacional. Preveem o último Relatório da PEC 45 e o substitutivo da PEC 110 que, na hipótese de o recolhimento do IBS e da CBS ser efetivado pelo regime unificado, não será admitida a apropriação de créditos pelo contribuinte, embora se permita que ele transfira créditos aos seus adquirentes em montante equivalente ao dele cobrado por meio do Simples Nacional.

Lado outro, se decidir pelo pagamento segregado, a empresa poderá tomar e transferir normalmente os créditos do IBS e da CBS em suas operações, sob regência do princípio da não-cumulatividade plena e em conformidade com as regras do regime ordinário de tributação.

Na prática, o recolhimento dos novos tributos pelo regime unificado favorecerá empresas que comercializam bens e prestam serviços para consumidores finais, ao passo que a apuração do IBS e da CBS em separado, na generalidade dos casos, se mostrará mais vantajosa para empresas situadas no meio das cadeias produtivas, haja vista a possibilidade de repassar créditos aos seus adquirentes nas operações B2B (entre pessoas jurídicas).

Conquanto singelas em suas textualidades, as disposições concernentes ao Simples Nacional nas PECs em tramitação revelam-se ricas em consequências. A principal delas é efetivar o desígnio constitucional de garantir às ME e EPP, vis à vis os agentes econômicos de mais robusta estatura, tratamento diferenciado e favorecido em matéria fiscal.

Sabe-se não ser possível neutralizar todos os impactos de uma reforma tributária de largo alcance como a que se desenha, mas assegurar a subsistência e a essência do regime simplificado de tributação que hoje socorre nove de cada dez empresas brasileiras é providência que decisivamente contribui para expandir as margens de segurança jurídica das transformações em curso e para mitigar as instabilidades que delas possam, porventura, advir.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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