Não há dúvidas de que a reforma tributária proposta tem elementos positivos, como os princípios da incidência da tributação no destino, da não cumulatividade e da simplificação, que são de evidente interesse da sociedade e da economia. Entretanto, o que se vê hoje, do texto submetido ao plenário da Câmara dos Deputados, é um conjunto de equívocos técnicos, econômicos e políticos reunidos numa proposta que tem evidente viés inconstitucional, na medida em que se vulnera o princípio federativo.
O Estado federal é um componente fundamental da democracia e do Estado democrático de direito, posto que, de um lado, a separação dos poderes entre Legislativo, Executivo e Judiciário traduz um mecanismo de freios e contrapesos no plano horizontal, o federalismo, por outro lado, institui um controle vertical do poder, ao dotar unidades políticas de autonomia e, por consequência, inviabilizar a concentração de poder no ente central.
O sistema federativo funda-se na ideia de pacto, de compromisso entre as diversas forças políticas regionais e a central, buscando com isso que os benefícios do modelo revertam em favor de toda a nação.
Daí o fundamento da distribuição de competências entre o poder central e os subnacionais. O exercício dessas competências, por cada ente, somente seria possível se acompanhado de recursos próprios e suficientes a atender as obrigações que lhes foram impostas pela Constituição.
Isso porque as competências constitucionais ficam vazias de efetividade sem as condições materiais para sua consecução. Os entes federados subnacionais, sem a arrecadação dos tributos que lhes foram destinados constitucionalmente, não têm condições de cumprir seu objetivo constitucionalmente definido.
O objetivo constitucional de autonomia política dos Estados necessariamente afeta a partilha de recursos públicos. Essa autonomia somente se materializa com a autonomia financeira, e esta última somente é possível num contexto de federalismo fiscal de cooperação, dependendo, fundamentalmente, da partilha das competências tributárias e do produto da arrecadação.
Por outro lado, a divisão de receitas é questão fundamental do pacto federativo, assim como a observância ao princípio da fidelidade à federação, cabendo aos seus entes, no exercício de suas competências, se comportar com lealdade.
A PEC 45 cria um modelo inédito de gestão para o Imposto de Bens e Serviços (IBS) que, por vulnerar, em maior ou menor medida, o princípio federativo, pode ser considerado inconstitucional. Com efeito, o chamado Conselho Federativo terá mais poder que qualquer governador de Estado, sem legitimação pelo voto popular, sendo sua atribuição: arrecadar, normatizar, regulamentar, além de deter a iniciativa de proposta de lei complementar para detalhar a disciplina do novo tributo, partilhar o resultado das receitas e devolver créditos aos contribuintes.
Refletindo mais cuidadosamente poderia se questionar qual a necessidade desse conselho? Não seria possível a cada Estado cuidar de sua arrecadação, transferir receitas de IBS para o destino e creditar seus respectivos contribuintes?
Essas indagações não são respondidas no texto aprovado pela Câmara, e o açodamento em sua aprovação, diferentemente do que se propaga, não é um sinal positivo para as demandas da sociedade, na medida em que pode afastar a gestão da arrecadação tributária daquele que foi escolhido pelo voto popular e que ao fim e ao cabo é o legítimo formulador das políticas públicas nas unidades federadas. E não resultaria, a toda evidência, em atendimento ao princípio federativo.
Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.