Enquanto escrevo, as autoridades fluminenses reportam 105 mortos e 134 desparecidos, em razão das chuvas torrenciais que atingiram Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, nos últimos dias. Não é um cenário inédito de destruição. Em 1988 e 2011, a cidade conviveu com semelhante problema e, num intervalo de pouco mais de dez anos, terá de se reconstruir novamente. Não sendo o primeiro, infelizmente também não será o último evento. As alterações climáticas (ACs) já estão entre nós.
É verdade que as condições geomorfológicas de Petrópolis e o crescimento desordenado de sua população em encostas e morros tornaram-na ainda mais suscetível às intempéries, porém não estamos mais diante de um qualquer desastre natural repentino ou inesperado. Não há fortuidade a ser invocada. Nesse sentido, David Wallace-Wells fala de “desastres não mais naturais”, pois eles serão tantos “que simplesmente começaremos a chamá-los de ‘o clima’", isto é, viveremos a transformação de “eventos fora da curva, antes impensáveis, em algo bem mais comum, tornando possíveis novas categorias de desastre”.
Veremos a reconfiguração de conceitos, tais como: tragédias, catástrofes e desastres naturais. Nosso vocabulário sobre fenómenos inesperados da natureza será alterado à força - à força da crise climática. As ACs redimensionam a noção de “desastre” esporádico e imprevisível, para a noção de dano habitual e conhecido, e tudo isso numa escala temporal de incrível celeridade. As chuvas torrenciais em Petrópolis, por essa ótica, não são um mero desastre natural, pois o fator adverso de imprevisibilidade não se coaduna com a prevenção adaptativa reclamada pela crise climática.
A noção de responsabilização de agentes públicos por danos climáticos será radicalmente outra. Nela, aqueles não poderão mais se afastar do dever de agir preventivamente frente aos perigos do clima, alegando imprevisibilidade dos eventos. No caso de Petrópolis, o histórico não vem ao socorro da falta de diligência das autoridades. O IPCC alerta que países tropicais, como o Brasil, sofrerão mais intensamente os efeitos de grandes tempestades em razão das ACs, e serão elas cada vez menos sazonais. A exemplo disso, desde dezembro de 2021, as tempestades já deixaram mortos e desabrigados em pelo menos cinco Estados brasileiros (Minas Gerais, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo), três dos quais perfilam na dianteira do PIB do país.
Em Petrópolis, a conjunção de fatores críticos (v.g., condições naturais, gestão urbana deficitária, ACs) foi responsável por deflagrar tanto danos individuais, patrimoniais e extrapatrimoniais, quanto coletivos, uma vez que a cidade é, em si mesma, um verdadeiro museu a céu aberto. Os danos culturais fazem parte de um espectro de danos quase esquecido dentro das ACs, mas nem por isso insignificantes, pois categóricos na destruição de centros históricos, artísticos e culturais ao redor do mundo.
A Cidade Imperial é símbolo vivo do passado monárquico e escravocrata do Brasil, pois em suas ruas, palácios, parques e praças não estão inscritos apenas os belos legados imperiais, como também a história não contada dos oprimidos, aqueles que verdadeiramente erigiram-na.
Vê-la destruída é como deitar fora uma parte fundamental do Livro de História do Brasil. Em 1847, D. Pedro II inaugurou em Petrópolis o Palácio de Verão Imperial, para onde se dirigiu muitas vezes com a Corte durante os verões cariocas. À época, preferia o clima ameno da cidade ao calor do Rio de Janeiro. Todavia, se o Rio atual sofre cada vez mais com o calor, Petrópolis já não é também um refúgio muito mais seguro para o verão de ninguém.
Rolam pedras na cidade de Pedro. Pedras que levam vidas, casas e museus. Pedras que matam ricos e pobres. Pedras que apagam histórias de reis e plebeus.
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