Vagas para nível superior para quem tem renda superior era a sentença máxima na educação para entrar na universidade pública e gratuita. E o pobre que se desdobrasse para deixar grande parte do orçamento em uma faculdade particular caso ousasse buscar um diploma de graduação. O disparate perdurou décadas em um cenário de exclusão, se não institucionalizado oficialmente, incrustado cruelmente nos campi estaduais e federais Brasil afora.
A conta não fechava para a promoção da justiça social, até que surgiram iniciativas como o estimado Projeto Universidade para Todos (Pupt), histórico no Espírito Santo, do qual tenho a honra de ser cofundador, e as políticas de ações afirmativas, adotadas neste começo de século.
Anos após a implantação dessas medidas que mudaram a realidade das nossas faculdades, eis que surge mais uma tentativa nefasta e esdrúxula, que visa a impor aos estudantes o pagamento de mensalidades em universidades públicas. Repito boquiaberto: em universidades públicas! Mais uma luta, mais um round contra a sandice e a insensatez, desta vez materializada pela PEC 206/2019, em tramitação no Congresso.
Se a manutenção de uma universidade federal ou estadual é cara, não é do bolso do estudante e de sua família que esse dinheiro tem de sair. Se os cursos, sobretudo na área de biomédicas e engenharia, requerem altos investimentos, com equipamentos cada vez mais modernos, é de fontes apropriadas que essas verbas necessitam ser aportadas.
A principal delas seria a taxação de grandes fortunas, mecanismo disponível na Constituição promulgada em 1988, mas que até hoje não foi regulamentado. Tais recursos serviriam para o fortalecimento não só do ensino superior, mas também da educação básica.
A balança mostra: justiça tributária anda de mãos dadas com melhor distribuição de renda e oportunidades. Pobres hoje pagam mais impostos, pois a carga fiscal está concentrada em obrigações inseridas nos preços das mercadorias, incluindo as básicas como o arroz e o feijão. Conforme estatísticas da Associação Nacional de Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip) e da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), 49,7% dos impostos do país são recolhidos desse modo, sobre o consumo. Jogando ainda mais luz nesse triste quadro, estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) revela que os brasileiros pagam o correspondente a 34% do PIB com taxas e impostos.
O argumento dos defensores dessa PEC da precariedade ao ensino gratuito é pífio. Sustenta-se na ideia de que os cursos chamados “de ponta” são frequentados pelos mais ricos. O que eles não revelam são dados como este: 70,2% dos matriculados das universidades federais são de baixa renda e vivem com um orçamento familiar mensal de até 1,5 salário mínimo per capita, aponta a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).
A PEC é um pecado contra o ensino público de qualidade. A artimanha fica ainda mais nítida quando observamos que não há um corte de renda predefinido. Ou seja, caberia ao Poder Executivo estipular as faixas de gratuidade. Alguém tem dúvida de que essa conta sobrará para os mais pobres? Como dizem os meus alunos, “vai dar ruim”. E eles não querem pagar para ver.
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