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É ex-governador do Espírito Santo

Sem nova geração de líderes, é impossível vislumbrar novos horizontes no Brasil

Há décadas o país atravessa um deserto quanto ao surgimento de líderes que inspirem, pautem e ensejem o novo, a inovação e a vanguarda em termos socioeconômicos e político-culturais

  • Paulo Hartung É ex-governador do Espírito Santo
Publicado em 26/08/2022 às 15h42

O crucial tema da liderança pautou a minha recente participação no "Harvard Brazil Alumni Summit – O Brasil que Queremos: Realidade, Responsabilidade e Oportunidades". Aceitei o honroso convite de Wolff Klabin para estar no evento ao lado de Adilson Moreira, Beatriz Marinho e Lúcia Dellagnelo. Compartilho aqui algumas das considerações sobre essa questão que atravessa estrategicamente todos os campos decisivos à construção de um país que merecemos e podemos ter. Mas que tem passado ao largo das arenas de debate mais recorrentes.

Há muito, o Brasil não vem sendo capaz de renovar substancialmente o conjunto de suas lideranças. Na superação dessa comprometedora falha republicana encontra-se exatamente uma das melhores chances de promovermos um outro tempo para a nação, distante dos erros do passado, antenado nas questões do presente e conectado às oportunidades do futuro.

Há décadas o país atravessa um deserto quanto ao surgimento de líderes que inspirem, pautem e ensejem o novo, a inovação e a vanguarda em termos socioeconômicos e político-culturais. Uma demanda que, se não bastasse o acúmulo gigantesco de dívidas históricas quanto à prosperidade compartilhada, é radicalmente potencializada pelo terremoto político, tecnológico e comportamental que redesenha o planeta sem forma nem esboço.

O Brasil preparou muita gente de todas as posições políticas no entorno de 1964. Depois veio o vácuo instaurado pela ditadura militar. Com a redemocratização, o país voltou a formar lideranças em todos os campos do pensamento político – é daí que venho, meu treinamento foi na luta pela volta das liberdades. Nesse meio tempo, instalou-se um vazio quanto ao surgimento de líderes políticos.

As motivações desse hiato podem ser inúmeras, desde o tsunami sociotécnico e cultural que varre o planeta, passando pela ocorrência de tormentosos escândalos de corrupção mundo afora, até o ataque ideológico à política democrático-republicana como via de se projetar e constituir a dignidade humana sob os paradigmas da liberdade, igualdade, fraternidade, diversidade e sustentabilidade.

REFORMA DO SISTEMA POLÍTICO

No campo da política, só uma efetiva reforma do sistema político promoverá mudanças que possam dar uma direção racional e programaticamente assertiva à vida político-partidária no país, contribuindo até para que os próprios partidos retomem a função de formar lideranças – tarefa que não é exclusividade deles, mas que é uma das mais fortes razões de existirem.

Nessa cena desoladora, onde vicejariam as novas lideranças políticas? No vácuo das agremiações partidárias, mas não em sua substituição, obviamente, encontram-se movimentos cívicos a dar vazão à demanda por formação de líderes. Temos o RenovaBR, de que sou conselheiro, como parte de minhas atividades voluntárias, o Livres, o Raps. O fundamental é que novas lideranças surjam, tenham boa formação e estejam capacitadas a operar com os desafios e os propósitos da vida política, habilitadas a debater ideias, conviver com a diferença, negociar, construir consensos etc.

Em toda essa cena de escassez, é preciso salientar que o problema tem raiz histórica, e não natural. Isso porque não se nasce com as capacidades e habilidades da liderança. Não é só questão de vocação. Boa parte é treinamento, aprende-se a fazer, como já ensinou a Grécia clássica.

AS CAPACIDADES DE UM LÍDER

Mas o que é um líder, uma liderança? Em quaisquer campos de ação, a liderança é o oposto do voluntarismo. Um líder deve conjugar capacidades de identificar talentos, harmonizar competências, agregar energias, vontades e vocações em torno de projetos e objetivos comuns, sob um olhar estratégico da realidade e suas demandas prioritárias.

Não se enfrenta sozinho um desafio. Ou seja, a liderança é também a arte de montar equipes. E nesse processo é fundamental saber avaliar vocações, entender forças e fraquezas de cada um, definir projetos e ações, descentralizar e delegar tarefas, e avaliar os passos para qualificar a caminhada. O profissionalismo é requisito básico.

A liderança é ainda a arte de dar exemplos e difundir valores caros ao avanço civilizatório, agregando um conjunto de pessoas em torno de objetivos comuns. Ou seja, a arte de liderar é também a estratégia de se cercar de colaboradores que saibam mais da sua área de especialização do que o líder, que deve possuir outros atributos, como ter a noção de conjunto, capacidade de motivar e de identificar e potencializar talentos.

Tenho agido assim ao longo de minha vida pessoal e profissional. Tenho me cercado de pessoas que complementam e fortalecem minha atuação. Por melhor que seja a formação profissional e intelectual, por maior que seja a experiência administrativa, é um mau caminho se achar supercapaz.

A minha trajetória me ensinou que é preciso construir times. Conhecer os colaboradores e, a partir da compreensão de que todos nós temos habilidades e limitações, fazer um mapeamento de vocações. Cada um deve ocupar o lugar em que mais pode contribuir. É estar no lugar certo para fazer a coisa certa, num jogo de soma e articulação em que ganha todo o conjunto.

A CHANCE DE ACERTAR E ERRAR

A liderança também deve ser capaz de viabilizar um clima de harmonia e produção de soluções em momentos de crise, desgastes ou equívocos. Distante da prática de eleger bodes expiatórios ou culpados, os líderes precisam oferecer ambiente de segurança e confiabilidade para que seus liderados tenham chance de acertar e também errar, entendendo que esse é o mecanismo da vida. Parece lugar-comum, mas só não erra quem não faz, quem vive se omitindo.

Equipes sólidas são equipes que convivem com altos e baixos sem se desintegrarem diante do primeiro problema ou se destruírem numa competitividade irracional entre colegas de projeto. Esse ambiente de colaboração é imprescindível em função de uma outra determinante da ação de liderança: a capacidade de delegar funções e descentralizar atividades.

Nenhum líder deve temer a sombra alheia ou se achar o único capaz de resolver tudo. A ideia de liderança se fundamenta exatamente na conjugação de forças e competências sob a condução de quem tem visão de conjunto e clareza de objetivos a serem alcançados.

PLANEJAMENTO É ESSENCIAL

Da mesma forma que não acredito em voluntarismo, também não creio em improviso. O planejamento é ferramenta essencial para a vida. Em todo movimento, é preciso ter um diagnóstico claro de onde estamos e uma visão de onde queremos chegar. É fundamental traçar o mapa da caminhada, definindo-se passos e metas. É preciso ter projeto. Conforme observou o pensador, nenhum vento sopra a favor de quem não sabe aonde ir.

Também é basilar um eficaz e dinâmico processo de gestão, com capacidade permanente de avaliar os passos dados para fazer os ajustes necessários em direção ao horizonte desejado, considerando erros, acertos e contingências diversas. Ou seja, é preciso saber montar equipes e, conjuntamente, planejar, executar, gerenciar e avaliar a caminhada. Cada um oferecendo o melhor de si, no lugar certo, em benefício dos objetivos comuns.

Como se vê, a capacidade de diálogo amplificado e diversificado é condição essencial ao exercício da liderança. O líder precisa ter habilidade e compromisso com a comunicação intra e interinstitucional. Falando especificamente da política, é preciso ter disposição, desejo e energia para conversar com a sociedade civil e seus mais diversos segmentos, tendo em vista a mobilização, o debate e o apoio a medidas cruciais para a vida nacional, inclusive para que a população entenda e veja o sentido das propostas tanto no presente quanto no futuro. Um líder genuíno é aquele que se faz compreender pela sociedade.

Também é importante dizer que, para a racionalidade inerente à concertação da realidade, é preciso que o líder tenha habilidade para somar a dimensão emocional. Afetos, sentimentos e percepções também fazem parte do repertório humano na formulação de suas ideias, opiniões, posicionamentos e decisões. É preciso saber falar com a razão e tocar com a emoção. Sem essa combinação, cujos elementos parecem incompatíveis, mas que, na verdade, conformam nossa subjetividade e organizam as comunidades, não há liderança possível.

INSPIRAÇÃO E MOBILIZAÇÃO

Liderar é enxergar e construir caminhos, muitas vezes em ambiente nebuloso e terreno arenoso. Com racionalidade e afeto, é saber mobilizar e convencer para a caminhada, que nem sempre é simples. É ajustar rumos quando for preciso. E dialogar sempre, tendo em vista o hoje e o melhor horizonte possível quanto ao incremento da qualidade de vida, da cidadania, da democratização das oportunidades, da sustentabilidade e da prosperidade entre nós.

“Arte de pensar as mudanças e torná-las efetivas.” O saudoso geógrafo Milton Santos nos deixou como um de seus mais importantes legados a definitiva conceituação do que seja a política, considerando que a civilização é um projeto em constante movimento, permanentemente desafiado pela conjuntura socioeconômica, tecnológica e político-cultural. A efetivação da vida política, ainda mais aquela transformadora do status quo, demanda que vicejem lideranças dos mais variados espectros humanísticos.

Não se faz política de verdade sem lideranças capazes de inspirar e mobilizar para a cidadania. Segundo o historiador Paul Johnson (2010), a vida de Winston Churchill passa ao menos cinco lições importantes sobre liderança: pense sempre grande, nada substitui o trabalho árduo, nunca deixe que erros e desastres o abatam, não desperdice energia com mesquinharias e, por fim, não deixe que o ódio o domine, anulando o espaço para a alegria na vida.

Pode haver vários caminhos para colocar o país novamente no rumo do desenvolvimento socioeconômico inclusivo e sustentável, mas parece impossível vislumbrar novos horizontes sem a formação de uma nova geração de líderes, algo indispensável à superação da aridez que vem assolando a política nacional. O Brasil não merece e não pode ser refém de uma arcaica vida política baseada em visões estreitas e ultrapassadas, quando não incivilizadas, de mundo. Que a arte da liderança inspire e conquiste o desejo da juventude no urgente processo de um novo início nacional.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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