Como economista, deparo-me diariamente com um bicho-papão. Diferentemente do sobrinho mais famoso dele (convocado por pais no mundo inteiro), meu bicho-papão controla os adultos e, assim, causa angústia às crianças.
Ele nasceu há 400 anos, quando o filósofo e político inglês Francis Bacon definiu o homem como "ministro e intérprete da natureza". Essa visão retratava a natureza como uma força violenta e imprevisível que precisava ser domada pelo conhecimento e pela indústria, ambos "dados por Deus" ao ser humano. Natureza e humanidade, assim, desmembrados e hierarquizados.
A cada pensador, o ser humano se tornou mais racionalizado e mais direcionado ao interesse próprio, e as relações sociais, mais encaixotadas. Simplificamos o ser humano, descomplicamo-lo, tornando-o, enfim, objeto previsível para teorias e modelagens econômicas. Assim surgiu o homo economicus – meu bicho-papão –, uma personagem artificial que vem silenciosamente se instalando debaixo da cama; moldando uma experiência de vida agudamente voltada ao acúmulo material, alienando-nos da natureza, das nossas comunidades e das complexidades que compõem nossa essência de ser.
Os desafios das ameaças climáticas definirão se o bicho-papão economicus nos pega de vez. Como continuamos norteando a nossa economia com cálculos que desconsideram fatores relevantes da equação, tal como o valor – econômico e social – da natureza? De que adianta uma projeção de lucro em que falta uma linha de custos – nesse caso, a degradação ambiental que "viabiliza" o produto final? De que adianta seguir cegamente as metas do PIB se o desmatamento da Amazônia, que prejudicará diversos setores, não aparece ali? Seremos capazes de virar a chave antes?
Apesar de não contabilizada, a conta está chegando. Somente com custos de recuperação e resgate ambiental, o Brasil gastou, entre 1995 e 2017, R$ 180 bilhões. Entre 2013 e 2017, mais da metade dos municípios brasileiros declarou estado de calamidade ao menos uma vez – e isso é só o começo.
Precisamos aprender a assumir o erro – ainda mais como economistas ou empresários, que erramos constantemente na contabilização dos negócios e da vida humana. Assumindo o erro, deixamos de ser controlados por moralidades, premissas e modelos equivocados. Assumindo o erro, resgatamos também a nossa humanidade comum.
Sem isso, a gente continua a dar aval para o bicho-papão economicus controlar nosso destino. Quem sofrerá mais com isso – e aí não há nada de história – serão nossas crianças.
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A autora é economista, coordenadora do Programa de Clima e Segurança do Instituto Igarapé e fundadora da FinanSOS
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