A comunicação governamental tem o poder de informar, persuadir e emocionar. Mas o que acontece quando ela passa a espetacularizar temas sensíveis? Recentemente, a Casa Branca utilizou a técnica do ASMR para divulgar um vídeo sobre as deportações de imigrantes ilegais. A escolha levanta questões éticas sobre o uso das emoções na política e revela uma tendência preocupante na comunicação institucional.
O vídeo, com 41 segundos de duração e intitulado "ASMR: voo de deportação de estrangeiros ilegais" (tradução livre), explora um conceito geralmente associado a relaxamento e bem-estar. ASMR (Autonomous Sensory Meridian Response) é uma técnica que se refere a estímulos sonoros que provocam sensações de prazer e conforto. No entanto, ao empregar essa prática para relatar um processo de deportação — tema já delicado por si só — a estratégia comunicacional do governo americano flerta perigosamente com a banalização da dor.
A comunicação governamental adota o tom de: "Olha que interessante! Divirta-se ao som de pessoas sendo acorrentadas". Não vou entrar no mérito da deportação de imigrantes ilegais ou do uso de correntes, pois cada governo tem soberania para administrar essas questões.
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O uso de emoções para viralizar conteúdos políticos não é novidade. Estudos sobre comunicação digital indicam que postagens que despertam medo, raiva, tristeza e indignação tendem a gerar mais engajamento. Isso explica por que governos e políticos frequentemente adotam discursos altamente emotivos em suas campanhas e pronunciamentos. A busca por viralização pode transformar decisões políticas sérias em meros espetáculos midiáticos.
No Brasil, exemplos não faltam. Políticos e figuras públicas já entenderam que, para manter relevância na internet, é preciso gerar impacto constante. Se um conteúdo não viraliza, rapidamente será substituído por outro mais chamativo. Se viraliza? Dura algumas horas, se tiver sorte, dias. A lógica da comunicação instantânea favorece discursos apelativos, muitas vezes sem compromisso com a complexidade dos temas tratados.

Quando governos adotam essa abordagem, os riscos são ainda maiores. Uma comunicação institucional pautada no sensacionalismo pode desinformar, legitimar práticas questionáveis e desumanizar grupos sociais. No caso do vídeo da Casa Branca, a associação de um tema sério a um tom quase lúdico não apenas minimiza o sofrimento envolvido, mas também reforça a ideia de que as políticas de deportação são mera diversão.
No pequeno livro "Infocracia", o autor Byung-Chul Han escreve: “No regime da soberania, encenações suntuosas do poder são essenciais para a dominação. O teatro é o meio. A dominação se apresenta no brilho teatral. Sim, é o brilho que a legitima... É um poder que se faz ver, se manifesta, se vangloria e irradia. Os subjugados, contudo, sobre os quais se desenvolve, ficam, em grande medida, invisíveis”.
A comunicação na 2ª Era Trump utiliza as redes sociais como palco para seu grande show. Os subjugados são peças fundamentais para que seu discurso se mantenha. São seus "fantoches"; sem eles, não há espetáculo. Agora, basta aguardar as próximas estratégias. No planejamento de comunicação do governo, com certeza há uma lista de “ideias absurdas” para conteúdos viralizáveis. As minorias para o espetáculo? Eles já possuem.
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