Autor(a) Convidado(a)
É professor de Língua Portuguesa, diretor-presidente do UP Centro Educacional e Músico

Sou do tempo em que o caderno ganhava visto do professor

Não se pode esquecer de uma coisa: uma escola é formada por pessoas, e o maior desafio do sistema educacional como um todo é melhorar e formar outras pessoas - e esse papel não é desempenhado via bluetooth

  • Fábio Portela É professor de Língua Portuguesa, diretor-presidente do UP Centro Educacional e Músico
Publicado em 14/05/2024 às 15h58

Acabo de chegar da Educar 2024. Estive no maior congresso de educação básica da América Latina, que ocorre, anualmente, em São Paulo. Um evento destinado basicamente a gestores de escolas públicas e privadas do Brasil.

Palestras diversas, mesas redondas e muita, mas muita, negociação de produtos que prometem fazer quaisquer escolas se transformarem na melhor instituição do mundo, assim que você fechar mais uma parceria.

Será?

No segundo dia da feira educacional, ao passar por um quadro digital, fui convidado, aos gritos, por um representante daquele determinado estande, a entrar para conhecer melhor o lindo painel com pixels eternos de qualidade realística.

Geminiano é um bicho curioso. Entrei.

O espaço da tal lousa mágica era amplo e simulava uma confortável sala de aula tradicional.

Começaram, então, uma demonstração. Colocaram-me numa carteira de aluno que parecia ser normal, como todas são. Não era. A mesa era, na verdade, um computador. Bastava ao aluno abrir. A tela já aparecia. A mesma do quadro lá na frente. E – pasmem – tudo que o professor ia escrevendo ou apontando ou colando como imagem já aparecia para o aluno prontinho na tela/mesa dele. A partir daí, qual seria o papel do estudante?

Outras várias questões me surgiram ali. Prometo: tentarei eufemizar saudosismos pessoais.

A tecnologia na sala de aula acompanha uma natural incorporação de ferramentas como essa na vida social. Temos um ok para tudo aqui. Assim como, logicamente, a feira vai tentar vender soluções objetivas e pirotécnicas, em busca da atenção e do capital das instituições de todas as naturezas.

Mesmo assim, aquilo me causou bastante inquietude. Cheguei a pensar no título de um manifesto: “Por mais papel, lápis e caneta. Por menos tablets e telas nas escolas”. Seria leviano, talvez saudosista demais, na contemporaneidade.

Segundo a professora, jovens estão se dedicando cada vez mais em sala de aula na escola
Anotações no caderno de escola. Crédito: Reprodução | TV Gazeta

Afinal, o problema não está na lousa de 1 milhão de pixels, bem como nela não está a solução.

Puxe na memória aí. Quantas vezes não conseguimos resolver uma questão de prova no ensino médio, por exemplo, por nos lembrarmos daquela setinha que puxamos no cantinho do caderno com aquela dica especial do professor que também escrevia de verdade no quadro com seus ótimos e didáticos esquemas?

É claro que a ideia aqui não é o abandono da tecnologia. Pelo contrário. Já disse que seria leviano. Que ela seja usada! E muito! Mas como fer-ra-men-ta e com res-pon-sa-bi-li-da-de para que, de fato, colabore com os processos de ensino-aprendizagem.

Não se pode esquecer de uma coisa: uma escola é formada por pessoas, e o maior desafio do sistema educacional como um todo é melhorar e formar outras pessoas - e esse papel não é desempenhado via bluetooth. No que diz respeito a melhorar as tecnologias, o ser humano já provou que tem competência de sobra para tal. Necessário também é desenvolver pessoas, atrair a atenção da alunada e gerar paixões.

Difícil é formar seres humanos dotados de visão crítica, de empatia e com capacidade de resolver uma situação-problema com a devida competência esperada pelo mundo afora. Computador, IA, Chat GPT… Nenhum deles fará – tudo – isso por nós.

Somente pessoas.

É na sala de aula, com pessoas interagindo entre suas humanidades, que conseguiremos criar novas consciências - o que realmente muda o mundo. Não são políticos que mudam o mundo. Não são computadores que mudam o mundo. Não são novas leis que, apesar de muito importantes, mudam o mundo.

Antes disso tudo, importam as novas consciências. E novas consciências são geradas por famílias em suas casas e por bons professores e profissionais na escola, com um ensino, por exemplo, que desenvolva habilidades socioemocionais para uso responsável e saudável das tantas tecnologias disponíveis.

Por isso, muito mais que aportes financeiros em tecnologias apenas, é gritante a necessidade de mais investimento na educação básica, em sensibilidades humanas que podem ser catalisadoras das tais novas consciências no processo de aprendizagem. O professor já sabe que, há muito, deixou de ser a voz uníssona da sala de aula, por mais experiente que seja. A lógica é, portanto, de dialogismo e de mediação dos conhecimentos, que são adquiridos em instâncias diversas de aprendizagem – inclusive e sobretudo na escola. A tecnologia conecta aprendizagens; é preciso saber interpretá-las para vislumbrar novas mentalidades.

Já dizia Gabriel Pensador naqueles versos: “Muda que, quando a gente muda, o mundo muda com a gente / A gente muda o mundo é na mudança da mente”.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

A Gazeta integra o

Saiba mais
Educação Tecnologia Ensino Professores

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.