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São advogados do escritório Cheim Jorge & Abelha Rodrigues Advogados Associados

STF: decisão de Gilmar Mendes e o futuro da contratação de PJs e autônomos

O julgamento do Tema 1389 será decisivo para a definição de parâmetros objetivos sobre a licitude dessas contratações. Estão em discussão, essencialmente, três pontos centrais

  • Estêvão Bianquini Simões e Luana Assunção de Araujo Albuquerk São advogados do escritório Cheim Jorge & Abelha Rodrigues Advogados Associados
Publicado em 15/04/2025 às 12h02

Com o avanço das novas formas de organização do trabalho e a crescente adoção de modelos flexíveis de contratação, intensificou-se no meio empresarial a prática de contratação de prestadores de serviço por meio de pessoas jurídicas (PJs) ou como trabalhadores autônomos. Embora muitas vezes legítimas e baseadas na liberdade de iniciativa, tais contratações também podem ocultar verdadeiras relações de emprego, o que gera intensos debates na esfera trabalhista e constitucional.

Esse cenário motivou o Supremo Tribunal Federal (STF) a reconhecer a repercussão geral do Recurso Extraordinário com Agravo nº 1.532.603/PR, inaugurando o Tema nº 1389, que trata exatamente da “Competência e ônus da prova nos processos que discutem a existência de fraude no contrato civil/comercial de prestação de serviços; e a licitude da contratação de pessoa jurídica ou trabalhador autônomo para essa finalidade”. A decisão proferida pelo relator, ministro Gilmar Mendes, determinou a suspensão nacional de todos os processos que discutem a matéria, até julgamento definitivo.

A discussão está ancorada em precedentes relevantes do STF, especialmente a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 324 e o RE (Recurso Extraordinário) 958.252. Na ADPF 324, a Suprema Corte reconheceu a constitucionalidade da terceirização ampla, inclusive para atividades-fim, decidindo que o ordenamento jurídico brasileiro não proíbe a terceirização e que a livre iniciativa deve ser respeitada, desde que não haja fraude ou precarização.

Já no RE 958.252, reafirmou-se a liberdade de organização produtiva e o respeito aos contratos civis válidos, com ênfase na segurança jurídica das empresas. Apesar desses entendimentos, parcela expressiva da Justiça do Trabalho continuou reconhecendo vínculos empregatícios com base na primazia da realidade, mesmo diante de contratos civis formalmente regulares, o que gerou aumento de ações judiciais e reclamações constitucionais.

É nesse contexto que se insere o risco da chamada “pejotização”, prática em que se exige que o trabalhador constitua pessoa jurídica para prestar serviços com as mesmas características de um empregado, mascarando o vínculo de emprego. A pejotização tem sido diferenciada da terceirização pelo fato de que nesta tem-se uma tomadora de serviços que contrata uma empresa que presta serviços por meio de seus empregados próprios, ao passo que a pejotização nada mais é do que a prestação de serviços por uma pessoa física por meio de uma PJ individual.

Nessas hipóteses, mesmo que o prestador possua um CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica) e assine contrato de prestação de serviços, se restarem comprovados os requisitos do vínculo empregatício (pessoalidade, subordinação, habitualidade e onerosidade) a Justiça do Trabalho poderá reconhecer a relação de emprego e condenar a empresa ao pagamento de verbas trabalhistas e encargos sociais, com incidência de multas e juros.

O julgamento do Tema 1389 será decisivo para a definição de parâmetros objetivos sobre a licitude dessas contratações. Estão em discussão, essencialmente, três pontos centrais:

  1. A competência da Justiça do Trabalho para julgar ações que envolvam suposta fraude em contratos civis ou comerciais de prestação de serviços;
  2. A licitude da contratação de pessoas jurídicas ou trabalhadores autônomos para prestação de serviços, considerando os precedentes do STF apreciados sob a ótica da validade constitucional de diferentes formas de divisão do trabalho e a liberdade de organização produtiva dos cidadãos;
  3. A distribuição do ônus da prova nas demandas judiciais que sustentam a tese de fraude na contração civil.  

A depender da tese a ser fixada pelo STF, haverá impactos diretos na forma como as empresas documentam, gerenciam e executam contratos com PJs e autônomos. O relator já sinalizou preocupação com a insegurança jurídica gerada pela divergência jurisprudencial e com a resistência da Justiça do Trabalho em aplicar os precedentes da Suprema Corte, sendo provável que proponha uma solução que preserve a liberdade contratual sem tolerar práticas fraudulentas.

Ministro Gilmar Mendes durante a sessão plenária do STF
Ministro Gilmar Mendes durante a sessão plenária do STF. Crédito: CARLOS ALVES MOURA/STF

Dentre os efeitos esperados da decisão, destaca-se a possibilidade de reforço da segurança jurídica para os contratantes que estruturam suas contratações dentro dos parâmetros legais. Ao mesmo tempo, haverá espaço para responsabilização nos casos em que a pejotização for utilizada com desvio de finalidade. O julgamento também poderá definir a competência jurisdicional em casos de alegação de fraude — se será da Justiça Comum ou da Justiça do Trabalho — o que influenciará a escolha da via judicial adequada e o próprio fluxo de processos no país.

Diante desse cenário, é importante que ocorra uma revisão dos contratos com PJs e autônomos, assegurando que haja efetiva autonomia na prestação dos serviços, ausência de subordinação, liberdade na gestão de horários e meios de trabalho, e delimitação clara do escopo contratual. A formalização documental deve ser coerente com a realidade prática da relação e não deve conter cláusulas que imponham controle típico da relação de emprego.

O julgamento do Tema 1389 será um divisor de águas no tratamento jurídico das novas formas de trabalho. Até lá, é essencial atuar com cautela e contar com assessoria jurídica especializada para a estruturação de relações contratuais seguras e em conformidade com a legislação. A prevenção jurídica, neste momento de incerteza, é a melhor forma de assegurar a continuidade, previsibilidade e a estabilidade dos negócios.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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