A hiperinflação brasileira tem suas raízes no desequilíbrio do balanço de pagamentos no início dos anos 80 e na estratégia de enfrentamento adotada no governo Figueiredo, depois que Delfim Netto assumiu o Ministério da Fazenda.
As importações de petróleo, impactadas pelos dois choques de preço em 1974 e 1979, somadas às obrigações com a dívida externa contraída nos anos 70, para fazer frente aos investimentos do II PND, no governo Geisel, levaram o Brasil à beira do colapso nas contas externas.
Para agravar a situação, em 1981 os EUA aumentaram a taxa de juros do Fed para 21,5% ao ano. Foi preciso recorrer ao FMI para fechar as contas.
Delfim Netto assumiu a Fazenda em 1981, no lugar de Mario Henrique Simonsen, prometendo fazer um programa de ajustamento sem recessão. Recorreu a programas de promoção de exportação (Befiex e Proex) e substituição de importações (PROSIM). Criou um novo imposto, o FINSOCIAL (5% sobre a folha de todas as empresas) destinado a acabar com a pobreza. Botou um “S” de Social no BNDE, convocado para gerir os programas destinados a produzir superávits comerciais. E fez duas maxidesvalorizações da moeda.
A recessão acabou acontecendo entre 1981 e 1983, mas em 1984, no último ano do regime militar, contrariando as previsões pessimistas, o PIB cresceu 5,7% e o superávit na balança comercial foi de US$13,5 bilhões, mais do que o dobro prometido no acordo feito com o FMI.
Em compensação, principalmente por causa das maxidesvalorizações, a inflação chegou a 223% em 1984 e a 235% em 1985.
Os economistas da oposição insistiam na necessidade de moratória da dívida externa, mas a questão central já não era mais a crise de balanço de pagamentos. Era a inflação e o conflito distributivo por ela causado.
De 1984 a 1994 foram dez anos de luta contra a crise e a hiperinflação. Do Plano Cruzado, em fevereiro de 1986, ao Plano Real, em junho de 1994, quando a inflação acumulada em 12 meses chegou a 4.922%, foram seis planos de estabilização com congelamento de preços.
O dia 1º de junho de 1994, quando o Real entrou em circulação, poderia ser registrado e conhecido como sendo o dia da implantação da economia de mercado no Brasil. O dia do capitalismo.
A moeda é a instituição central do capitalismo e possui três funções: ser meio de pagamento, reserva de valor e padrão para o sistema de preços relativos. Ao longo da década 84/94 e das várias tentativas de se criar uma moeda nacional, o Brasil acabou ficando sem nenhuma. É preciso registrar que o desejo de tê-la passou a ser um ponto de convergência absoluta. Verdadeiro consenso nacional! Todos eram contra o dragão da inflação.
A moeda é uma instituição fiduciária. Lastreada em “fides”, confiança. Eu aceito a moeda confiando que o outro a aceitará. Como a falta de confiança na moeda nacional foi sendo moldada ao longo de anos pela manipulação do governo nas taxas de câmbio a fim de fazer frente a desequilíbrios de balanço de pagamentos, reconstruí-la não foi tarefa fácil.
O preço chave (âncora) do sistema de preços é o câmbio. O Plano Real permitiu que a transição para a uma nova moeda estável, em ambiente de preços livres, utilizasse a taxa de câmbio diário, através da URV, sem o rigor de uma dolarização forçada. Houve turbulência, crises externas e muita especulação, principalmente até que o regime de metas de inflação e de superávits fiscais fosse implantado em 1999. Foi o “tripé” da estabilidade macroeconômica: câmbio flutuante, metas de inflação e metas fiscais. O sucesso do Plano Real é autoexplicativo e precisa ser comemorado.
O ano de 1984 é fundamental para entender o processo em seu conjunto e por que deu certo. Foi o último ano do regime militar, o último ano em que o café representou o principal item da pauta de exportações, o primeiro ano com grande superávit comercial, a produção de petróleo offshore se consolidando e reduzindo a pressão das importações e muitos outros indicadores que mostram que o ciclo de industrialização por substituição de importações puxado pelo Estado tinha se encerrado.
Daí em diante, a busca por integração competitiva na economia mundial, por conquistar padrões internacionais de preço e qualidade para a estrutura produtiva nacional seria a nossa bússola. Sem democracia e o sucesso do ciclo de industrialização, não teria sido possível construir moeda estável.
Com o Plano Real, o Brasil construiu um “software” financeiro e monetário de última geração, embora ainda esteja rodando em um “hardware” físico e institucional bastante ultrapassado. A agenda de reformas e investimentos públicos e privados é por demais conhecida.
Completar e corrigir a urbanização desordenada e suas consequências econômicas e sociais nas cidades brasileiras é nosso próximo desafio.
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