Nos últimos anos, as apostas esportivas (conhecidas como bets) tornaram-se um fenômeno crescente em muitas partes do mundo, impulsionadas pela facilidade de acesso através de plataformas on-line e pela legalização em diversas jurisdições. Embora essa indústria tenha criado novas oportunidades econômicas e de entretenimento, também trouxe consigo desafios significativos para a sociedade, particularmente no que diz respeito ao superendividamento.
O aumento das apostas esportivas pode ser atribuído a vários fatores, incluindo a digitalização, que permite que as pessoas façam apostas a qualquer hora e em qualquer lugar, e a intensificação do marketing direcionado, que muitas vezes associa apostas ao prazer e à emoção dos eventos esportivos. Esse crescimento tem gerado receitas significativas para governos e operadores de apostas, mas também tem levantado preocupações sobre seus efeitos sociais.
Um dos principais argumentos utilizados para a regulamentação das bets foi a promessa de geração de empregos, aumento da arrecadação tributária e combate ao mercado ilegal. No entanto, a realidade tem se mostrado complexa e preocupante, com a rápida expansão do mercado de apostas on-line revelando um lado obscuro: o aumento exponencial do número de pessoas endividadas, especialmente nas camadas mais vulneráveis da sociedade.
A atratividade por ganhos rápidos e fáceis, amplamente explorada pela publicidade das plataformas de apostas, tem se mostrado um chamariz irresistível para muitos brasileiros, levando-os a um ciclo vicioso de apostas, perdas e dívidas impagáveis
Assim, a Lei nº 14.790/2023, conhecida como "Lei das Bets", que regulamenta as apostas de quota fixa no Brasil, tem sido alvo de controvérsias devido ao seu potencial impacto socioeconômico. A legalização das apostas on-line desencadeou uma expansão desenfreada do mercado de bets, com um crescimento de 89% ao ano entre 2020 e 2024.
Estudos recentes, como o realizado pelo Itaú, indicam que 7 milhões de brasileiros se encontram endividados por causa de jogos de apostas on-line, um número alarmante que expõe a fragilidade da proteção à economia doméstica frente à proliferação das bets.
A situação se agrava ao constatarmos, através de dados do Banco Central, que os beneficiários do Bolsa Família, programa de transferência de renda voltado para famílias em situação de vulnerabilidade social, gastaram R$ 3 bilhões em bets apenas no mês de agosto de 2024, utilizando o Pix como forma de pagamento. Esse dado alarmante, além de demonstrar a facilidade de acesso aos jogos on-line, evidencia a gravidade do problema do superendividamento entre aqueles que mais necessitam de apoio do Estado.
É importante destacar que os valores gastos pelos beneficiários do Bolsa Família podem ser ainda maiores, uma vez que o levantamento do BC considerou apenas as transações via Pix, não abrangendo outras formas de pagamento como cartões de crédito e transferências bancárias.
A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo - CNC, em seu estudo sobre o impacto das apostas esportivas no consumo, ressalta que a parcela da população de baixa renda tem comprometido parte significativa de seu orçamento com as bets, em detrimento de gastos com bens e serviços essenciais, como alimentação e saúde.
Assim, a proliferação das bets no Brasil e o consequente aumento do superendividamento representam um desafio social e econômico que exige uma resposta enérgica e responsável por parte do Estado.
A regulamentação, embora necessária, se mostra insuficiente para lidar com a complexidade do problema, sendo crucial a implementação de políticas públicas efetivas que promovam o jogo responsável, a educação financeira e o acesso a serviços de apoio às pessoas endividadas.
O poder público precisa agir de forma urgente e diligente para garantir que a Lei das Bets, em vez de se tornar um instrumento de precarização da vida financeira e social da população, cumpra seu papel de proteger os cidadãos e promover o desenvolvimento econômico e social do país.
Dessa forma, é necessária a implementação de medidas mais efetivas de regulação das bets, com políticas e ferramentas adequadas de prevenção e combate ao superendividamento como: limites para as apostas; proibição de bonificações (valores gratuitamente fornecidos para o consumidor iniciar as apostas); mecanismos de autoexclusão e restrições à publicidade direcionada para grupos vulneráveis principalmente crianças e adolescentes; a fim de proteger os cidadãos dos riscos do jogo excessivo e do endividamento.
A falta de regulamentação eficaz e a ausência de políticas de proteção colocam em risco a saúde financeira e mental dos apostadores, com consequências negativas para a economia e o desenvolvimento social. O Estado tem o dever de implementar medidas que minimizem os riscos e protejam os cidadãos, garantindo um ambiente de jogo responsável e seguro.
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