O desafio mundial do desenvolvimento e da compra de vacinas e insumos para a Covid-19 envolveu recentemente o debate sobre um pedido, por parte da Índia e África, de licença compulsória – erroneamente chamada de “quebra de patente”. O pedido feito junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) não foi seguido pelo Brasil na ocasião e descortinou um problema muito maior na política de pesquisa e desenvolvimento do país. Um paradoxo, por assim dizer, já que temos uma crise econômica de um lado e a necessidade de enfrentamento da doença já com quase 10 milhões de infectados e mais de 240 mil mortes.
Cabe ressaltar que a polarização política e ideológica, amplificada principalmente nas redes sociais, acaba por dispersar o debate sobre pontos importantes de política pública, num momento de pandemia e de crise mundial.
A licença compulsória é permitida pela legislação brasileira sobre propriedade intelectual e está em consonância com tratados internacionais. Ela possibilita suspender temporariamente os direitos de propriedade dos detentores das patentes, de forma a atender a função social da propriedade – algo completamente adequado a um cenário de pandemia.
A licença permitiria a outros laboratórios produzir as respectivas vacinas, de forma a dar capilaridade e atender o mercado de forma eficiente e mais célere, diante da urgência e necessidade do momento. Como ressaltou a Índia, um dos piores temores de escassez e suprimento se tornaram realidade, com os programas de vacinação de quase todos os países no mundo sofrendo atrasos por causa de produção insuficiente e não disponibilidade do número requerido de doses.
O contraponto dos países desenvolvedores das respectivas patentes das vacinas, além da proteção das suas indústrias, claro, está no fato de que outros países não teriam a necessária “tecnologia” para a produção das vacinas, bem como os riscos com a falta de transparência.
Se o debate sobre a licença compulsória de vacinas não aconteceu como poderia e deveria, é importante para o Brasil acordar, e se “perdemos” muito com gastos num passado recente, não podemos agora perder o foco e deixar de olhar para o futuro sem perceber que o mundo se desloca aceleradamente para investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Da mesma forma que precisamos de instituições fortes, segurança jurídica, transparência, estabilidade econômica, também precisamos estar menos dependentes do mundo, ainda mais quando se trata de saúde pública.
A liderança econômica mundial de alguns países como EUA, China, Japão e Alemanha se traduz necessariamente na sua política de investimento em propriedade intelectual. O Brasil vinha investindo bastante em pesquisa e desenvolvimento até 2018, quando ocupava a 9ª posição mundial. Em 2020, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação recebeu o menor orçamento em mais de uma década – excluindo salários e despesas obrigatórias, sobraram meros R$ 3,7 bilhões para investimentos, valor 30% menor que o de 2019.
A falta de investimento, de políticas públicas na área, a insegurança jurídica e a polarização política, junto à desinformação disseminada pelas redes sociais, colocam o país em alerta máximo com relação a uma pandemia longe de acabar e a dependência tecnológica de outros países que acreditam e investem em pesquisa e desenvolvimento . Nos dizeres de Shumpeter, continuamos “atrasados e com pressa”.
O autor é mestre em Direito e coordenador do Curso de Direito da Faesa Campus Cariacica
* Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta
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