“Muita religião, seu moço!”, afirmou Riobaldo. A exclamação do protagonista de “Grande sertão: veredas”, de Guimarães Rosa, aplica-se perfeitamente à realidade brasileira exposta pelo Censo (2022), liberado na última sexta (2) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Segundo os dados coletados, há mais estabelecimentos religiosos em nosso país do que escolas e hospitais. Ao todo, são 579,7 mil lugares de devoção, o que significa um espaço de culto religioso para cada 286 domicílios brasileiros, enquanto há 264,4 mil instituições de ensino e 247,5 mil unidades de saúde na federação.
Entre os estados, o Amazonas está no topo da lista contabilizando um templo religioso para cada 69 domicílios, seguido de perto pelo Acre (69 domicílios por templo). O Espírito Santo ocupa a oitava posição com um templo para 114 residências. São mais de 15 mil estabelecimentos religiosos no Estado – Cariacica tem um lugar de celebração da fé por 214 habitantes.
Antes de continuar a análise desses números é fundamental explicar (prevendo desinformação) que “estabelecimento religioso” não é sinônimo de igrejas cristãs ou mesmo evangélicas. O IBGE coloca nessa categoria quaisquer espaços de culto: templos, sinagogas, terreiros etc. Todavia, deve-se admitir que as igrejas evangélicas contribuem substancialmente no resultado dessas informações demográficas.
O aumento do número de evangélicos na nação já foi atestado no Censo de 2010, o que se confirmou com a quantidade de templos desse seguimento em dados referentes a 2021. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com base na Rais (Relação Anual de Informação Social), indicou a existência de 87,5 mil igrejas com CNPJ. Ou seja, 7 a cada 10 estabelecimentos religiosos registrados. É um crescimento extraordinário, porque em 1998 eram 26,6 mil espaços evangélicos identificados.
Com esse quadro da realidade em mãos, alguns analistas foram rápidos nas comparações pouco acuradas. Não seria justo, por exemplo, emparelhar os dados e concluir que a multiplicação de espaços religiosos em geral ou de igrejas evangélicas diminua o interesse por escolas ou hospitais.
Ou seja, a precipitação pode produzir a ideia de que quanto mais igrejas (ou templos religiosos), menor a quantidade de instituição de saúde e creches. Pelo contrário, os movimentos cristãos historicamente foram protagonistas na promoção da educação popular e fundação de hospitais e centros de cuidados da saúde.
A presença de templos é resultado de pelo menos dois fatores. O primeiro, e mais óbvio: o Brasil é religioso e o crescimento evangélico é uma realidade inegável, e a maior parcela desse recorte estatístico é de pentecostais, carismáticos e neopentecostais. Por isso, não é de se estranhar o crescente número de igrejas no Brasil.
Outro ponto importante a se considerar é a menor complexidade para abertura e mantenimento de uma comunidade evangélica. Para se ter ideia, uma igreja pode ser inaugurada sem que tenha membros suficientes para sustentá-la. Não poderíamos esperar a mesma facilidade em relação a um hospital ou mesmo uma escola.
Por sua vez, a boa educação ou saúde de qualidade não é garantida com a quantidade de instituições do setor. Se assim fosse, o surgimento de faculdades nos últimos anos resultaria em mais excelência acadêmica, o que, certamente, não é a realidade do ensino superior brasileiro.
Por fim, é importante frisar, a despeito da opinião geral após a divulgação do censo, que a quantidade de templos religiosos não tem qualquer relação com a ausência de políticas públicas capazes de darem conta das demandas sociais brasileiras. Pelo contrário, o aumento de igrejas poderia, caso a fé cumprisse sua função de promoção da dignidade e justiça, ajudar no combate ao analfabetismo, na construção de boas instituições educacionais, na criação de centros de promoção de saúde integral e tantas outras iniciativas sociais que historicamente faziam parte da agenda dos grupos cristãos.
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