“Manifestantes” contestando o resultado das eleições marcham pela Esplanada dos Ministérios, sem resistência das forças de segurança pública do Distrito Federal. Pouco depois, avançam sobre o prédio do Congresso Nacional, sobre o Palácio do Planalto e sobre o Supremo Tribunal Federal.
Os desdobramentos e as atitudes tomadas pelas autoridades já estão sendo amplamente divulgados por este e por outros veículos de comunicação, comprometidos com a verdade. Cabe a mim analisar dois pontos: o primeiro, as motivações que conduzem aos atos praticados; o segundo, a figura penal na qual incorreram aquelas pessoas que agora terão que enfrentar o sistema de Justiça. Tem muita gente dizendo que não há crime, mas há sim e o crime é relativamente novo.
As premissas dos atos antidemocráticos a que assistimos são as mesmas da maioria dos bolsonaristas e do próprio ex-presidente e ex-autoridades de seu entorno: 1 - Não reconhecem o conteúdo jurídico da decisão do Supremo que anulou a condenação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, por consequência, lhe devolveu os direitos políticos; 2 - Desconfiam, sem provas, como Bolsonaro, do funcionamento do sistema eletrônico de votação e pedem uma auditoria das urnas. Porém, fazem tais afirmações e apelos à míngua de qualquer critério técnico e objetivo. Tudo baseado no que ouviram ou leram nos grupos de apoiadores espalhados pelas redes sociais; 3 - Justamente por não acreditarem no sistema eletrônico de votação, não reconhecem o resultado do último pleito, no qual seu candidato saiu derrotado, por uma pequena margem de votos; 4 - Baseados na mesma enxurrada de desinformação acreditam, e são alimentados por ex-autoridades irresponsáveis, que se o caos for instaurado haverá o que chamam de “intervenção militar”, o que afastaria o atual presidente e traria de volta o ex-presidente (algo constitucionalmente impossível).
É justamente no item 4 que podemos encontrar a tipicidade da conduta praticada no domingo. Em 2021 foi aprovada a Lei de Crimes Contra o Estado Democrático de Direito, após longos anos de tramitação, o projeto foi aprovado e revogou a criticada Lei de Segurança Nacional. Essa nova lei inseriu o Título XII na Parte Especial do Código Penal. São 13 dispositivos, mas no momento é o artigo 359-L do CPB, que nos interessa: “Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência”.
Vejam bem, o núcleo do tipo é tentar. O crime não é conseguir. É tentar. O nomen juris do delito é golpe de Estado, o que nós vimos foi isso, uma tentativa de golpe de Estado que graças à força das nossas instituições deu errado.
O bem jurídico tutelado por esse tipo penal é exatamente o Estado Democrático de Direito, e o dolo (vontade) dos agentes estava bem claro, em suas faixas, cartazes e discursos, a instauração de uma ditadura com Jair Bolsonaro no poder. Porém, esse delito permite que o sujeito ativo o pratique também por omissão, própria ou imprópria.
Aquele que deliberadamente deixa de praticar ato do qual era responsável e, por isso, favorece o cometimento do crime está propriamente se omitindo e responde pelo delito. A omissão imprópria por sua vez é aquela cuja falta de ação inicial acabe colaborando para um resultado danoso posterior. Aqui se encaixam as autoridades que nada fizeram para impedir que os golpistas fossem tão longe.
Assim, os que já foram autuados e todos os outros que vierem a ser identificados devem responder pelo crime de golpe de Estado. No qual se admite a prisão preventiva (art. 312 do CPP), não se admite a incidência de instrumentos de barganha como transação penal, suspensão condicional do processo ou acordo de não persecução penal. E que tem ação penal pública incondicionada a representação.
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