A expressão “evangélico” tem muitas faces. Não podemos ser injustos e inserir tudo no mesmo pacote. Contudo, alguns querem dar a impressão de que a pergunta do título deveria ser respondida com um inquestionável, monolítico e uníssono “sim”. Antes de continuar, preciso explicar que o Protestantismo historicamente defende o Estado Democrático de Direito, a autonomia, a liberdade, a pluralidade e, especialmente, a separação entre Igreja e Estado.
Obviamente, nem sempre as coisas foram só rosas. Também há muito sangue, guerra, exploração, apartheid, Ku Klux Klan nessa história, mas nada que nebline personagens da altura de John Locke, John Wesley, William Wilberforce, Rosa Parks, Desmond Tuto, Arthur Brazier, Carlos Nejar, W. Seymour, Frida Vingren, Luther King, Denis Mukwege e tantos outros cuja fé protestante foi o combustível na luta por direitos humanos, produção literária, enfrentamento ao sistema escravocrata e promoção da vida.
Esse é o ethos evangélico. Por isso, quero enfatizar a presença na esfera pública não das igrejas em geral, o povo crente do nosso Estado, mas de algumas lideranças, as quais dão a entender que há um bloco evangélico uníssono em nosso Estado.
Nesses últimos dias, recebemos o presidente da República no Espírito Santo. Acompanhado em todo o tempo pelo evangélico Magno Malta, foi recebido por pastores e pastoras no aeroporto. No encontro, um deles, presidente de convenção, afirmou que o atual governo, entre todos os outros da história republicana, seria o mais atacado pelas “forças malignas”.
Nesse contexto discursivo, de forma bem livre, citando Mateus 16.18, garantiu que “as hostes do inferno não prevalecerão contra a sua Igreja”. Arrematando, o líder pastoral aplicou a passagem a Bolsonaro. Com esse perigoso discurso e distorcida hermenêutica bíblica, mesmo o governo sendo um negacionista irresponsável e estar na mira de investigações por corrupção e improbidades, todos os seus críticos são automaticamente identificados como aliados do diabo contra o suposto “escolhido pela igreja” — poderíamos interpretar, à luz do dito, que o Bolsonaro é confundido nesse pequeno sermão com a própria igreja, porque no texto bíblico seria atacada por forças malignas.
Isso é, no mínimo, um descalabro, fere as memórias protestantes e desrespeita os demais colegas ministros, pois demoniza o contraditório e confunde o papel da Igreja, cuja distância do Estado deve lhe permitir neutralidade a fim de fazer as necessárias críticas. Talvez, sem se dar conta, o pastor ofereceu ao presidente da República um bem simbólico que não o pertence, a saber, a fidelidade acrítica de uma multidão de pastores e pastoras que ele representa.
Outro exemplo é o Conselho Estadual das Igrejas Evangélicas do Estado do Espírito Santo (CEIGEVES), que também esteve no aeroporto e parece fazer a mesma escolha pública. Em suas mídas sociais, encontramos diversas publicações em apoio ao atual governo.
Como a CEIGEVES é interdenominacional, o problema se agrava, pois acaba vendendo a imagem de que todos os evangélicos são apoiadores do bolsonarismo. No entanto, o lugar da comunidade de fé é outro. Seu papel deve ser profético e espera-se maior imparcialidade de seus líderes, porque não é de bom alvitre serem cooptados por projetos políticos partidários, quaisquer que sejam.
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Enfim, os evangélicos capixabas são ou deveriam ser naturalmente bolsonaristas? Sem dúvida, a resposta é “não”. No entanto, algumas instituições usam de sua representatividade dando a entender o contrário. Infelizmente, esses eventos mancham a tradição, colocam a imagem da Igreja em apuros e materializam projetos de poder. Acreditem, esse não é o espírito protestante e nem reflete o Evangelho de Jesus.
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