Não é de hoje que Uber, iFood e outras empresas que prestam serviços por aplicativos se beneficiam do trabalho desregulado dos profissionais. Faz-se urgente, assim, um olhar para esses trabalhadores, pois o regime atual de serviço se parece mais com CLT do que com autônomo.
Vejamos o caso dos motoristas. Eles não têm liberdade, por exemplo, de negociar o valor da tarifa por cada corrida finalizada, e são as empresas que determinam as opções de pagamento das corridas. Soma-se a isso a volatilidade do mercado de combustíveis e tem-se um quadro de precarização das condições de trabalho dos profissionais. Ainda há o agravante de o motorista ser mal avaliado quando rejeita uma corrida por considerar necessário.
Com a baixa pontuação no painel do aplicativo, um forte indício de confiabilidade, o interesse dos clientes pelo seu serviço também é reduzido. E aqui cabe a pergunta: se não há vínculo empregatício entre as partes, por que penalizar o motorista que age de acordo com os seus critérios? Ao perder características de um trabalhador autônomo, o profissional se vê de frente com regras similares ao regime de trabalho CLT. Logo, há a necessidade de se encontrar um meio termo. O que não podemos tolerar é o desamparo com quem quer que seja.
Um tópico urgente é o recolhimento para a Previdência Social. Segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2030, o Brasil ocupará o quinto lugar no ranking de países com mais idosos no mundo. E se não houver regulamentação da atividade desenvolvida por trabalhadores via aplicativos, haverá uma multidão de pessoas com esgotamento mental e dificuldades físicas para continuar trabalhando normalmente. E a consequência disso é o inchaço da máquina pública, ou seja, o aumento de gastos com saúde e atenção básica por causa de problemas evitáveis.
Nesse sentido, cabe ao Poder Legislativo pensar e criar projetos de lei que consigam regulamentar não só a forma de atividade, mas sobretudo a forma de remuneração desses trabalhadores. Controlar a jornada de trabalho pode ser um bom começo. De acordo com a pesquisa “Futuro do Trabalho por Aplicativo”, realizada pela CUT/OIT em 2021, um entregador de plataforma digital trabalha, em média, 65 horas por semana e tem renda média mensal de R$ 1.172, 62. O valor é apenas um pouco acima do que era o salário mínimo à época, definido em R$ 1,1 mil.
Uma pesquisa do Datafolha, divulgada em maio deste ano, apontou que, caso o processo de recolhimento da contribuição para o INSS fosse automatizado pelas plataformas, 70% dos trabalhadores contribuiriam. Em resumo: entregadores querem direitos que garantam proteção social, mas recusam qualquer oferta que coloque em risco a flexibilidade da rotina deles.
Uma das possibilidades é continuar podendo atuar em vários aplicativos ao mesmo tempo. Claro que isso é vantajoso financeiramente, porém o desgaste físico torna a atividade extenuante e perigosa. Ninguém deveria precisar chegar a tanto para conquistar a independência.
Precisamos ouvir o que os trabalhadores têm a dizer, suas demandas e reivindicações. Quando questionados sobre o assunto, as reclamações giram em torno dos riscos de assaltos, custos com manutenção do veículo e os constantes reajustes no preço do combustível. Como são terceirizados, os trabalhadores bancam os custos desses insumos.
Que sejamos capazes, enquanto sociedade civil e representantes da OAB nacional, de levarmos a discussão para o Ministério do Trabalho deliberar junto aos congressistas. Passou da hora de discutirmos o presente para garantir o futuro.
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