Pensem na cena: você trabalhou muito nos últimos meses no seu emprego, entregou todas as metas (fez além do esperado), não faltou, chegou mais cedo, saiu mais tarde, foi impecável em tudo que fez. Mas, na hora do reconhecimento, nada! Quando mostramos essa cena todos ficam indignados: “Mas como a pessoa se dedica tanto e não é reconhecida!?”.
Na lógica do trabalho formal, no qual ofertamos tempo e dedicação às empresas nas quais trabalhamos, é uma obviedade a injustiça.
A redação do Enem, realizado no último domingo (5), nos faz refletir sobre a empresa chamada família e na empregada chamada mulher!
Em 2021, a Argentina reconheceu o trabalho materno como labor e passou a beneficiar mulheres trabalhadoras que estavam com idade para aposentadoria, mas não tinham o tempo de contribuição necessária para garantir o benefício. Às argentinas, fora ofertado o acréscimo de três anos de tempo de serviço por filho nascido com vida.
Uma grande evolução dos "hermanos", com certeza! Mas ainda pouco em relação às realidades que possuímos no mundo e na América Latina. Lembrando que no Brasil há a proposta do projeto de lei complementar 122/21 com o mesmo teor, que no dia 20de junho passado foi aprovado pela Comissão de Direito da Defesa das Mulheres da Câmara dos Deputados.
Mas estamos falando de uma cultura que não só deixa invisível o trabalho doméstico e maternal das mulheres, como também os diminui. Afinal, quem lava a roupa é a máquina. E as mulheres demoram muito para para sair de casa porque querem se “emperiquitar” e não porque tiveram que arrumar duas crianças, três bolsas, responder o último e-mail do trabalho e mais um monte de coisas para depois se dedicarem a ficar minimamente apresentáveis ao saírem de casa.
No Brasil, as leis também não reconhecem esse valor. Se uma criança fica doente e não pode ir à escola, essa mulher, que normalmente é a cuidadora, não tem direito a atestado. A lei trabalhista garante somente um dia de afastamento para acompanhar o filho de até seis anos a médicos. De forma irônica, podemos concluir que a partir dos sete anos nossos filhos sabem ir ao médico sozinhos, ficam em casa sem ninguém, fazem a própria comida e tomam o remédio na hora certa.
Portanto, essa mulher cuidadora trabalhadora tem que apelar para humanidade do médico, do empregador ou da rede de apoio (se tiver) porque senão tem seus dias descontados ou ainda perde o emprego por estar desinteressada.
Não é à toa que a Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2023 informou, em estudo, que devido as diferentes desigualdades provenientes do gênero as mulheres sofrem mais com depressão que os homens - a diferença é 5,1% em comparação a 3,6% dos homens; já quanto à ansiedade o valor é de 7,7% contra 3,6%.
E, como o trabalho de cuidado e invisível, a exaustão causada por ele (com as outras jornadas que as mulheres fazem) não é vista pela sociedade como fator. Ganhamos então o estigma de “problemáticas”, quando na verdade estamos é adoecendo por uma sobrecarga não reconhecida.
O Enem traz o debate, mas se esse debate não ultrapassar um dia de prova, ou uma semana de comoção social nas redes sociais, a realidade continuará a mesma!
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