Ao observarmos a experiência da transação tributária na esfera federal — em que o modelo já existe, desde 2019 — percebe-se que o instituto é um caminho sem volta. Mas sem volta a quê? De onde viemos?
Nas últimas décadas, não só no cenário federal, mas também em âmbito estadual e municipal, as políticas públicas de composição de litígios fiscais eram pautadas por programas de pagamento incentivado, que no meio tributário receberam o nome de “Refis” (embora cada legislação tenha tido um nome distinto).
De modo bem direto, os programas de pagamento incentivados eram concebidos da seguinte forma: o governo, de tempos em tempos, já havia até uma previsibilidade — a cada um, dois, três anos —, provocava o Poder Legislativo e aprovava uma lei que permitia que contribuintes em débito pagassem seus tributos com descontos extremamente atraentes e com prazos elastecidos.
Mas isso acabou trazendo um efeito deletério para o sistema tributário brasileiro. Os “Refis”, sem exagero, passaram a ser utilizados como uma espécie de planejamento tributário por parte dos contribuintes. Em resumo, alguns contribuintes, deliberadamente, deixavam de priorizar o adimplemento de suas obrigações tributárias para destinar recursos a outras finalidades porque sabiam que, em algum momento, haveria alguma lei de pagamento incentivado que permitiria a regularização de seus débitos com isenção, às vezes total, de multa e juros e com prazos elastecidos para pagamento.
Percebendo os efeitos prejudiciais desse modelo de política de composição de litígios fiscais, buscou-se na transação tributária a elaboração de um design negocial entre as partes, inspirado no modelo norte-americano de offer in compromise. Nesse modelo, confere-se ênfase ao perfil subjetivo de cada devedor ao se avaliar os possíveis benefícios financeiros para regularização dos débitos.
Por essa razão, ganhou relevo no modelo transacional o “grau de recuperabilidade do crédito tributário”. Agora, apenas créditos tributários classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação são passíveis de redução. Essa restrição aplica-se tanto à Lei de Transação Federal, quanto à Lei de Transação Capixaba, regulamentada em abril de 2024.
Traça-se, então, o perfil de cada devedor, não mais nivelando as diversas classes de inadimplentes dentro de uma mesma categoria. Devedores diferentes, negociação diferente.
E, de fato, um caminho sem volta. Os números divulgados no “Anuário PGFN 2024” são promissores. Em 2023, foram recuperados R$ 20,7 bilhões por meio da transação tributária, em favor da União Federal. Isso equivale a 42,3% do total de créditos recuperados em 2023.
Ainda recém-implementada no Espírito Santo, não foram disponibilizados números e valores dos débitos transacionados. Até mesmo porque, somente a partir de 03/06/24, os contribuintes poderão manifestar o aceite às condições do “Edital de Transação por Adesão PGE/ES 01/2024”, primeiro edital do gênero lançado na história do Estado.
Mas a expectativa, assim como ocorreu na esfera federal, é que a transação tributária ocupe lugar de destaque na política de composição de litígios fiscais do Espírito Santo, assumindo o papel de instrumento efetivo e equânime para o equacionamento de litígios fiscais. Um caminho sem volta.
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