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É doutor em Direito pela USP

Uber cobra mais caro para furar a fila: isso é prática abusiva?

A chave para abusividade não está no preço nem na natureza do serviço prestado. Um serviço caro ou adicional, acima do preço de mercado, não é necessariamente abusivo

  • Marcelo Pacheco Machado É doutor em Direito pela USP
Publicado em 16/10/2021 às 02h00
Uber
Uber: serviço oferece rapidez com pagamento de valor mais alto. Crédito: Marcello Casal Jr./ Agência Brasil

Os serviços de transporte por aplicativo vêm sofrendo com a pandemia, o aumento dos combustíveis e as modificações no mercado. Os usuários têm reclamado, principalmente, de cancelamentos e do tempo de espera.

Tentando responder a essas circunstâncias, nesta quinta-feira (14), a Uber anunciou o serviço chamado “Uber prioridade”, que nada mais é do que uma taxa extra, paga pelo passageiro, para poder “furar a fila” na espera por um veículo de aplicativo.

A questão que se coloca é: tal cobrança pode ser efetuada? Não se trata de uma prática abusiva?

O art. 6º, IV, do Código de Defesa do Consumidor prevê proteção contra as práticas abusivas do prestador de serviços, coibindo a utilização de métodos comerciais desleais que, aproveitando-se da situação de vulnerabilidade do consumidor, induzem-no a erro e quebram a boa-fé.

Há prática abusiva, por exemplo, quando um prestador de serviços exige o pagamento de taxas secretas, não claramente anunciadas, ou quando uma empresa aérea escolhe por cancelar o voo por motivos aleatórios, sem razões técnicas ou de segurança devidamente comunicadas ao consumidor. Outro exemplo muito comum está na previsão de multas contratuais, não claramente apresentadas ao consumidor, que representam valor exagerado e desproporcional, se comparado preço do produto ou serviço.

Em todos esses casos, a lei permite que o juiz declare abusiva a prática. A chave para abusividade não está, todavia, no preço nem na natureza do serviço prestado. Um serviço caro ou adicional, acima do preço de mercado, não é necessariamente abusivo. A abusividade se configura pela violação à boa-fé, das legitimas expectativas estabelecidas em relação ao consumidor, principalmente levando-se em consideração seu direito de saber exatamente o que está adquirindo (direito à informação).

É preciso que o consumidor saiba pelo quê, exatamente, está pagando. E que, diante desse conhecimento, possa livremente escolher adquirir ou não o produto ou serviço exatamente como ele é. Pelas suas vantagens e desvantagens.

Diante de uma relação de consumo, a vulnerabilidade de quem contrata o serviço exige do prestador uma enorme clareza, para que a decisão do consumidor em contratar seja perfeitamente bem-informada. Para que não existam dúvidas quanto ao que se está adquirindo e quanto ao valor devido.

A taxa extra do Uber, vista superficialmente, parece se mostrar uma medida desarrazoada, que visa a solucionar um defeito na prestação do próprio serviço: a demora. Todavia, não há dúvidas de que o consumidor ao contratar tal serviço se encontra bem-informado, a respeito inclusive da boa probabilidade de demora na espera de um veículo.

Na taxa extra do Uber não há dúvidas. O passageiro tem duas claras opções. Pagar mais barato e possivelmente esperar mais pelo veículo ou pagar mais caro, com a taxa extra, e receber o veículo mais rapidamente.

Diante da clareza da estipulação, e da possibilidade de livre escolha do consumidor, que pode inclusive optar por aplicativos concorrentes, não há ilegalidade nem abusividade na cobrança de tal taxa. Afinal, maior demora ou rapidez no atendimento diz respeito à qualidade do serviço, que deve ter repercussões no seu preço e aceitação pelo mercado consumidor. Conduta ilícita apenas haveria se a taxa extra, eventualmente, não representasse nenhum benefício real. Fosse vendida como um benefício que, na verdade, não existe.

E quanto aos demais passageiros, que optam por não pagar taxa extra? O surgimento de uma categoria de passageiros preferenciais, certamente, acabará por aumentar o tempo de espera dos demais. No entanto, tal fato representa apenas uma possível piora na qualidade do serviço prestado, que deve, ou não, afastar o consumidor informado da utilização daquele serviço, em favor de empresas concorrentes ou mesmo de outros serviços de transportes.

Quem deve julgar a Uber, pela decisão que tomou, é o consumidor. Usando a liberdade para escolher outros serviços, caso se incomode com a demora, ou mesmo com a exigência de pagamento de taxa extra. Não existe margem para promotores, juízes ou Procons interferirem nessa relação, na qual todos se encontram muito bem-informados e livres para efetuarem suas escolhas racionais.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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