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É mestre em Educação pela Ufes, professor da Rede de Ensino de Vitória, pesquisador, gestor cultural, sambista

Unidos da Piedade: muito mais do que um desfile de escola de samba

Foi um trabalho coletivo que demonstrou o orgulho e a união dos moradores dos morros do Centro de Vitória

  • Jocelino Junior É mestre em Educação pela Ufes, professor da Rede de Ensino de Vitória, pesquisador, gestor cultural, sambista
Publicado em 13/03/2024 às 14h53

O carnaval passou, mas a emoção permanece, sobretudo em um lugar que historicamente a memória reflete a tristeza e angústia da violência. No último Carnaval de Vitória, o desfile da Unidos da Piedade foi muito mais do que uma simples apresentação de carnaval. Foi uma celebração da história, da comunidade e da resistência dos Morros do Centro da cidade (Piedade, Fonte Grande, Moscoso e Capixaba).

Sob o enredo "Quilombo Piedade", a escola de samba levou à avenida uma narrativa emocionante que exaltava a cultura e a luta dos moradores locais. Abrindo o desfile com uma Comissão de Frente emocionante, contando a formação dos morros com as lavadeiras e trabalhadores braçais, profissão majoritária de quem ali escolheu viver nos anos de 1900.

Com um desfile imponente e cheio de energia, seguindo com as vozes marcantes de Luiz Felipe e Kleber Simpatia, com um samba reconhecido por especialistas e pelo próprio júri como o melhor do ano. Música envolvente, com versos fortes e necessários para representar a história trazida no enredo. Aliando sensibilidade, emoção, africanidade e a ancestralidade da comunidade.

Sambão
Unidos da Piedade no carnaval de 2024. Crédito: Fernando Madeira

O desfile da Unidos da Piedade fez uma verdadeira viagem ao tempo, relembrando as origens da comunidade e destacando a importância dos quilombos na formação social e cultural do Brasil. A escola utilizou cores vibrantes, fantasias e alegorias para contar essa história de resistência e superação. O desfile também fez uma passagem sobre a história e fatos marcantes da Unidos da Piedade, referenciando sua relação com o território desde 1955, fato que lhe faz até os dias atuais ser a mais vitoriosa e pioneira no carnaval capixaba.

O enredo "Quilombo Piedade" não apenas resgatou a memória histórica da região, mas também trouxe à tona questões contemporâneas, a valorização da cultura afrobrasileira e a luta contra o racismo, intolerância religiosa e a desigualdade social. Foi um verdadeiro manifesto de empoderamento e reconhecimento da identidade negra.

Nas redes sociais foi possível notar quantos jovens e moradores das comunidades que dificilmente usam expressões de reconhecimento de suas identidades afirmaram com orgulho que vivem no Quilombo Piedade. Foi um carnaval e tema voltados a fortalecer as identidades territoriais e a reafirmação do território do samba como um grande quilombo urbano.

Com o processo praticamente todo realizado na comunidade e em sua sede, os ensaios e festas foram ocupados pela população local e amantes do bom samba. O projeto Samba no Chapéu do Lado foi a sensação desta temporada carnavalesca, com um público feliz e que possibilitava rememorar bons momentos que a Unidos da Piedade já organizou no carnaval.

Os eventos da escola para o carnaval de 2024 foram lotados, com uma participação expressiva da comunidade. A feijoada da escola realizada em agosto na Fazendinha Shows, o aniversário da agremiação na quadra em janeiro e o novo formato da descida da rua (agora aos domingos) foram experiências significativas e que demarcam a nova organização da escola, com a gestão Renova Piedade.

festa
Feijoada da Unidos da Piedade. Crédito: Divulgação/Unidos da Piedade

Além disso, o desfile da Unidos da Piedade foi marcado pela participação ativa da comunidade, que se uniu para criar as bossas da bateria, confeccionar as fantasias, construir os carros alegóricos e ensaiar coreografias que deram sentido durante o desfile.

Destacamos a bateria da escola, chamada de Ritmo Forte, que recebeu as três notas dez possíveis do júri, dedicou-se desde julho de 2023 para se apresentar com sincronismo, criatividade e muita cadência, simbolizando o grande batuque negro desta região, que ecoa nesses morros há quase 70 anos.

Foi um trabalho coletivo que demonstrou o orgulho e a união dos moradores dos morros do Centro, chamou a atenção o envolvimento da ala das baianas na produção das suas fantasias, ao longo de todo o mês de janeiro, um mutirão de mulheres jovens, adultas e as mais idosas, com seus filhos e netos, num movimento verdadeiro de união e compartilhamento de saberes em prol da escola e de uma das alas mais significativas em um desfile de escola de samba. E o resultado na avenida, grandioso.

O trajeto das alegorias até o Sambão do Povo aconteceu a partir do galpão alugado pela escola em Vila Velha, uma operação iniciada as 22h do dia 02/02/2024. As seis composições alegóricas foram organizadas na área do desfile praticamente 24h depois do início de toda a movimentação. Mais uma vez se viu uma mobilização comunitária no processo de preparação e montagem para o desfile da agremiação.

Essa coletividade, obviamente registrada no conceito de quilombo, se reflete a essência do carnaval como uma festa popular e democrática. A maior satisfação de um artista, sem dúvida, é ver a emoção dos espectadores com seu trabalho. No desfile da Piedade, testemunhamos essa vivência e ao mesmo tempo, verificamos que a própria comunidade se emocionou em se sentir representada num desfile que há anos a escola não promovia.

Um desfile que mesmo diante de dificuldades técnicas terminou com uma comunidade imensamente feliz com qualquer resultado. Ao verem sua história sendo contada de forma tão magnífica e envolvente, com as arquibancadas e camarotes cantando em plenos pulmões o samba, com o refrão:

“Brilha no olhar, a esperança...

Punho cerrado, comunidade!

Quem tem fé a vitória alcança,

De corpo e alma sou Quilombo Piedade”

Com a apuração, o desfile da Piedade deixou um legado de orgulho e inspiração para toda a comunidade nos próximos anos, a classificação final foi a terceira colocação geral, fato que não acontecia desde 2018.

Foi muito mais do que um desfile de escola de samba. Foi uma celebração da cultura, da história e da resistência dos morros do Centro, que emocionou e encantou a todos, desde as crianças que ainda hoje cantam o samba. Que esse legado de orgulho e união possa inspirar futuras gerações a manter viva a memória e a luta dessa comunidade tão especial.

Valeu, Piedade.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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