Durante a pandemia, participei de algumas reuniões entre lideranças políticas e pastorais do nosso Estado. A proposta era somar forças no enfretamento da Covid-19 e na conscientização da população. Foram convidados representantes de diversas denominações evangélicas: pentecostais, tradicionais, neopentecostais, etc. Durante o diálogo. ficou nítido que, a despeito da pluralidade institucional, havia quase unanimidade em relação à relativização da gravidade mortal do vírus e suas consequências.
Entre eles, um jovem pastor bolsonarista, aproveitando o contexto, após culpar o governador por resistir às políticas do presidente, aconselhou-o a fazer uma convocação de oração e jejum. Obviamente, a ideia foi redirecionada aos pastores, porque eles poderiam legitimamente se responsabilizar por esse tipo de movimentação, pois não está sob a alçada do governo apresentar políticas públicas cuja forma desconsidere a laicidade do Estado.
Na mesma reunião, um pastor neopentecostal, inflamado pelo negacionismo e espiritualidade triunfalista, propôs irmos às ruas enfrentar o vírus como verdadeiros “guerreiros de Deus”. Esses exemplos mostram como é perigosa a relação entre negacionismo e fundamentalismo religioso. Isso fica ainda mais problemático quando esses pastores acumulam algum poder de decisão política. Além de colocarem em risco os membros de suas comunidades de fé, podem impor agendas pouco republicanas. Com certeza, tal postura não descreve todas as lideranças pastorais do nosso Estado, mas, infelizmente, representa uma grande parte.
Esses episódios ocorreram no início da pandemia. Contudo, no meio da atual discussão sobre o desenvolvimento das vacinas o mesmo espírito negacionista continua alimentando a reflexão de algumas lideranças religiosas, as quais contribuem com a minimização das pesquisas em relação aos imunizantes, promovem (nos púlpitos e mídias) desinformação a respeito das vacinas, criam insegurança e desconfiança usando argumentos político-ideológicos e, como fizeram desde o início, relativizam os números e consequências mortais do vírus.
Antes de terminar preciso explicar que a fé é muito importante em contextos de desespero e desestabilidade. Historicamente, a tradição cristã, por exemplo, e, especificamente, o Protestantismo deram provas disso. Contudo, temos testemunhado o quanto o contrário também é possível. A união nefasta entre governo federal e lideranças evangélicas na promoção do negacionismo e da desqualificação das vacinas demonstra o quanto pode ser catastrófica a sacralização religiosa da irresponsabilidade e ignorância anticientífica.
O autor é Pastor, doutor em Ciências da Religião, professor e escritor.
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