A reportagem da Folha de S. Paulo intitulada "Cidades mais desenvolvidas do país vacinam mais rápido contra a Covid" (04/07/2021) traz dados interessantes que, entretanto, merecem maior cuidado quanto às suas conclusões. A partir de dados disponibilizados pelo Ministério da Saúde sobre cidades brasileiras com mais de cem mil habitantes, a matéria faz correlação direta entre o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e o número de pessoas vacinadas.
No esforço por conclusão, a leitura induz que, quanto melhor a estrutura de rede de atenção básica, melhor também são as condições de organização e execução dos planos de imunização em curso.
O título do texto e o encadeamento das ideias não falseiam ou dissimulam a realidade, mas tornam simples algo com causas mais complexas se contemplarmos outros fatores e variáveis. Mais do que as capacidades municipais, é preciso tomar a questão nas suas especificidades.
Para além das escolhas (acertadas ou não) de gestores, há questões que envolvem o próprio público tomado enquanto alvo: até agora o Brasil avançou na lista de grupos prioritários determinados no Plano Nacional de Imunização, alcançando em grande número a população idosa e de profissionais da saúde, da educação e de outros setores profissionais qualificados, o que (re)produz por efeito as desigualdades raciais no acesso às primeiras doses.
Vale ressaltar que, ainda que a população preta e parda seja a maioria nacional, entre os idosos (grupo a partir dos 60 anos) as pessoas brancas se sobrepõem. O mesmo acontece com parte dos grupos profissionais priorizados. Por outro lado, vale lembrar que foi e continua sendo uma luta o cumprimento da inclusão de quilombolas e da população carcerária (ambos os casos constituído por pessoas negras em sua maioria) entre os grupos a serem priorizados. Como exemplo, de acordo com o governo de São Paulo, apenas 6% dos presos foram imunizados contra a Covid-19 no Estado, onde a população carcerária é a maior do país.
Desse modo, cidades mais desenvolvidas vacinam mais rápido também porque contemplam grande parte dos grupos prioritários de vacinação, além de atraírem público de outros lugares, o que superdimensiona a população tida como alvo das campanhas municipais. Segundo dados do próprio Ministério da Saúde, em torno de 15% dos vacinados vêm de outras cidades e percorrem em média mais de 200 quilômetros na busca pelo imunizante.
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A fim de reduzir desigualdades, dois caminhos alternativos no acesso à vacina podem ser tomados sob inspiração das campanhas anteriores. Por um lado, a coordenação da campanha a nível nacional ou ao menos estadual reduziria os descompassos e desacertos das ações tomadas a nível local, atenuando o agravo dessas diferenças em um país já campeão de tão triste estatística. Por outro, a ampliação, tão logo possível, dos grupos vacinados e sua universalização teria impacto positivo sobre essas assimetrias, acessando outros grupos e criando espaço para que novas estratégias e medidas fossem tomadas a fim de garantir vacina para todas e todos.
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