A Constituição brasileira de 1988 assegura em seu Art. 5º a inviolabilidade do direito à vida. Certamente, o desejo do legislador constituinte originário, afinado com a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas de 1948, foi o de asseverar a preservação de uma vida digna e duradoura ao cidadão, apartada das ferramentas da crueldade, opressão e terror estatais, tão características de regimes totalitários de épocas passadas.
O direito à vida consagrado no texto constitucional, assim, não se resume ao direito aos próprios batimentos cardíacos, acordar, comer, dormir e outras atividades básicas essenciais ao funcionamento do corpo humano. A Constituição não se detém no óbvio, mas vai além, muito além. É o velho princípio basilar de hermenêutica jurídica que ensina que “a lei não contém palavras inúteis” (verba cum effectu sunt accipienda).
Se assim não fosse poderíamos dizer que pessoas mantidas vivas no cárcere em masmorras medievais fétidas, senzalas ou campos de concentração teriam preservada a inviolabilidade do direito à vida tão-só pelo fato de estarem biologicamente vivas, a qualquer custo. Ninguém ousaria afirmar que este seria o alcance máximo e propósito da promessa estatal de afiançar o direito à vida.
Mais adiante, o Art. 196 da Constituição esclarece que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
A comunhão do Art. 5º com o Art. 196 da Constituição traduz a vontade concreta e induvidosa dessa Lex Mater: É a todos garantindo a inviolabilidade do direito à vida neste país, mediante todos os esforços do Estado para a sua promoção, proteção e recuperação, visando à redução do risco de doença e de outros agravos, mediante cobertura universal e incondicional.
Destarte, a partir do momento em que esgotadas as dúvidas da comunidade científica e da academia, a respeito da eficácia e validade de determinada vacina para enfrentamento de doenças e outros males, como a pandemia do Covid-19, atingida a categoria de instrumento de promoção, proteção ou recuperação da saúde, não haverá terreno discricionário cultivável ao Administrador Público. A vacinação será e deverá ser premente, ampla e irrestrita, resguardado os casos contraindicados pela própria Ciência e órgãos reguladores.
Nesta tarde de verão de 2021, o mundo conta com mais de 2,5 milhões de mortos pela pandemia do novo coronavírus, só no Brasil temos mais de 255 mil vidas perdidas. O Reino Unido acaba de recorrer a necrotérios improvisados para vítimas de Covid-19. A Terra está em isolamento social, grandes e pequenos empresários falidos, trabalhadores com jornadas e salários reduzidos, famílias choram seus mortos, para muitos não há mais consolo. A vacina é a única esperança de todos.
Não há mais tempo a perder. A vida e a saúde das pessoas não podem mais esperar. Somos o país do samba e do futebol, do sorriso fácil mesmo escondendo a dor da vida diária, como cantava Luiz Gonzaga em “Vida de Viajante”. Mas agora também queremos ser o país da dignidade, da igualdade de todos, queremos vida digna. Vacinação não pode ser coisa só dos bacanas, grã-finos ou ricos, quando e onde quiserem, numa vida delivery. A vacinação premente, ampla e irrestrita é direito de todos nós. E que assim seja!
O autor é Defensor Público do Estado do Espírito Santo
* Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta
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