
Na novela "Vale Tudo", um dos pontos centrais da trama envolve a venda de uma casa por Maria de Fátima, interpretada por Bella Campos, imóvel que havia sido registrado em seu nome por iniciativa do avô, Salvador, com atuação de Antônio Pitanga. A cena, embora ficcional, retrata uma realidade comum no direito sucessório brasileiro: a tentativa de pais e avós de organizar a herança em vida, muitas vezes sem o devido conhecimento jurídico, o que pode resultar em conflitos e frustrações familiares.
É bastante comum que pessoas, ao envelhecerem, desejem evitar “dar trabalho” aos filhos e netos após o falecimento, optando por antecipar a transmissão de bens. A intenção é legítima e pode, de fato, facilitar a sucessão. No entanto, a falta de orientação especializada leva à adoção de soluções que não oferecem a proteção patrimonial esperada.
No caso da novela, o avô de Maria de Fátima comprou a casa e a registrou diretamente em nome da neta, por receio de que, se colocasse em nome da filha Raquel (Taís Araújo), o genro Rubinho (Julio Andrade) pudesse ter algum direito sobre o imóvel. Para proteger-se parcialmente, ele gravou usufruto vitalício para si, o que lhe garantia o uso e gozo da casa até sua morte. Com o falecimento do avô, a casa passou a ser inteiramente da neta, Maria de Fátima, que então a vendeu sem precisar da anuência da mãe, Raquel.
Sob a ótica jurídica, essa escolha ignorou instrumentos que poderiam ter garantido maior segurança à vontade do avô e também à filha dele. Uma alternativa mais cautelosa seria a compra da casa em seu nome, seguida de doação à filha, com cláusula de incomunicabilidade — impedindo que o bem fosse partilhado com eventual cônjuge — e com reserva de usufruto para o próprio doador.
Outra possibilidade seria a compra da casa em nome da neta, Maria Fátima, como de fato ocorreu, mas com a inclusão de usufruto vitalício para si e para a filha Raquel, assegurando seu direito de uso após a morte do pai. Ainda assim, essa configuração exigiria cuidados, pois limitaria a possibilidade de venda do imóvel por Raquel em caso de necessidade.
Poderiam ser incluídas ainda outras cláusulas usuais no planejamento sucessório, como a inalienabilidade (impedindo a venda sem autorização) e a reversão (garantindo que, caso a neta morresse antes, o imóvel retornaria ao patrimônio do avô).
Ao agir dessa forma, o avô procurou proteger o patrimônio familiar, mas faltou compreender os efeitos jurídicos dos regimes de bens e as ferramentas disponíveis no Direito Civil para alcançar esse objetivo com maior eficácia.
O caso fictício de "Vale Tudo" é, na verdade, um retrato fiel de muitas situações reais. Ele nos lembra que o planejamento sucessório é uma ferramenta poderosa, mas deve ser feita com o acompanhamento de um profissional especializado, que possa orientar sobre os instrumentos legais disponíveis e suas consequências práticas.
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