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Vice-governador e secretário de Estado de Desenvolvimento, apresenta neste espaço temas e reflexões sobre os setores que contribuem para o desenvolvimento social e econômico das pessoas e do Espírito Santo

Venezuela: a tragédia anunciada e o ditador de estimação

Qualquer que seja o desfecho das eleições venezuelanas, o desgaste para o governo brasileiro já está contratado. Vai ser preciso muito malabarismo para apagar o que foi dito e feito

  • Ricardo de Rezende Ferraço Vice-governador e secretário de Estado de Desenvolvimento, apresenta neste espaço temas e reflexões sobre os setores que contribuem para o desenvolvimento social e econômico das pessoas e do Espírito Santo
Publicado em 17/08/2024 às 02h45

presidente Lula quebrou o silêncio e numa entrevista a uma rádio do Paraná disse que ainda não reconheceu o resultado das eleições venezuelanas e que Nicolás Maduro está devendo uma explicação para a sociedade brasileira e para o mundo. Também falou de governo de coalizão ou de novas eleições. Só não disse o óbvio. O problema é o ainda. O governo brasileiro precisa parar de tapar o sol com a peneira e se render à realidade.

Passados mais de 15 dias das eleições na Venezuela ainda não há um desfecho claro para a crise política com severos reflexos sociais no país vizinho. O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) venezuelano, órgão subordinado ao governo, portanto nada imparcial, apressou-se em declarar Maduro vencedor, mesmo sem apresentar as atas eleitorais com os resultados.

A única auditoria independente que acompanhou o processo, o Instituto Carter afirma que a vitória, com larga margem de vantagem, foi de Edmundo Gonzáles. Até o início desta semana já se contavam 25 mortos, 192 feridos e 1200 pessoas presas em manifestações que contestam o resultado. As evidências de fraude no processo eleitoral são incontestáveis.

A posição do governo brasileiro adulando uma ditadura incontentável é um vexame. Não reconheceu nem condenou o processo eleitoral, mantendo-se numa posição de suposta neutralidade, aguardando a divulgação das atas eleitorais. Mas a cada dia que passa fica mais claro que Maduro fará de tudo para se manter no poder. De reprimir manifestações, a perseguir os líderes da oposição e bloquear o funcionamento das redes sociais no país. Nenhum resultado que venha a ser apresentado pelas instituições venezuelanas, reduzidas a fantoches pelo governo ditatorial do país, terá credibilidade a esta altura dos acontecimentos.

A posição incômoda do Brasil decorre dos alinhamentos políticos e ideológicos no cenário internacional dos governos do PT ao longo de anos. Essa não é a primeira vez que a questão venezuelana causa polêmica por aqui. Há uma antológica passagem da música Dança da Solidão, de Paulinho da Viola, que cai como uma luva para pensarmos no caso atual. “Meu pai sempre me dizia, meu filho tome cuidado, quando penso no futuro, não esqueço meu passado”.

A natureza do regime político venezuelano tem arrastado a diplomacia brasileira por caminhos tortuosos. Em 2012, o governo Dilma manobrou para assegurar o ingresso da Venezuela no Mercosul, aproveitando do afastamento temporário do Paraguai. Em 5 de agosto 2017, a Venezuela foi suspensa do Mercosul em função da falta de liberdades no país.

Em maio de 2023, o presidente Lula recebeu Maduro em Brasília com honras de chefe de Estado e ao ser questionado sobre o autoritarismo no país vizinho respondeu que “o conceito de democracia é relativo”, “a Venezuela tem mais eleições do que o Brasil” e “quem quiser derrotar o Maduro, derrote nas próximas eleições e assuma o poder".

No último dia 9 de julho, ao celebrar a adesão da Bolívia ao Mercosul, a menos de 20 dias das eleições na Venezuela, o presidente Lula disse que “espera poder receber logo a Venezuela de volta ao Mercosul, e que a normalização da vida política venezuelana significa estabilidade para toda a América do Sul”.

Um dia após as eleições, a Executiva Nacional do PT divulgou nota em que “saúda o povo venezuelano pelo processo eleitoral ocorrido no domingo, dia 28 de julho de 2024, em uma jornada pacífica, democrática e soberana”. Fazendo coro à nota de seu partido, Lula declarou que “não teve nada de anormal, apenas uma eleição na Venezuela.”

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebe o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, no Palácio do Planalto.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebe o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, no Palácio do Planalto. . Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Qualquer que seja o desfecho das eleições venezuelanas o desgaste para o governo brasileiro já está contratado. Vai ser preciso muito malabarismo para apagar o que foi dito e feito, o desrespeito aos cidadãos que põem a própria vida em risco no enfrentamento ao regime tirano, à democracia e aos direitos humanos, mais uma vez fragilizando e diminuindo nosso país. Que fique a lição: o Brasil não pode mais continuar tendo ditador de estimação.

Desde o período em que fui senador pelo Espírito Santo e presidente da Comissão de Relações Exteriores venho denunciando constatações. Não há respeito ao voto e à liberdade de expressão, justiça eleitoral corrompida e presos políticos. Condenamos veementemente qualquer tipo de ditadura, de direita e de esquerda. Transformamos a comissão em uma trincheira de defesa das liberdades, e a Venezuela foi tema recorrente em nossa atuação. Recebendo líderes políticos, como a deputada cassada María Corina Machado, opositora que atualmente está escondida, para que ela pudesse denunciar toda violência praticada contra a democracia naquele país. Seguimos também à Venezuela em missão de observação, mas fomos impedidos de sair do aeroporto de Caracas.

Olhando o passado a partir dos acontecimentos atuais, posso, assim como na letra do Paulinho da Viola, olhar para o futuro sabendo que estive do lado certo. Da defesa intransigente da democracia e da liberdade de expressão.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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