Na 6ª série, lá em 2006, eu ainda não menstruava, mas tinha uma menina na minha sala que às vezes manchava a carteira escolar com sangue. Lembro de emprestar minha blusa de frio para ela amarrar na cintura e não ser ridicularizada, e ela sempre ia embora para casa. Quando contei isso para minha mãe, ela pediu para andar sempre com absorventes na bolsa, caso a minha fizesse uma surpresa ou se alguém precisasse.
Desde a tarde desta quinta-feira (7), o veto do presidente Jair Messias Bolsonaro (sem partido) em cinco artigos do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual (Lei 14.214) tem tomado a agenda dos assuntos nas redes sociais.
Como sempre, a internet abre espaço para opiniões pontuais e outras nem tanto. Porém, o que está em jogo não é quem vence o discurso e sim a garantia de educação e a dignidade para essas mulheres em situações extremas de vulnerabilidade.
Sendo assim, convido o leitor aos fatos. O documento do projeto de lei da deputada Marília Arraes (PT-PE) possui três páginas, e já no primeiro artigo traz a proposta de garantir o fornecimento de absorventes higiênicos nas escolas públicas que ofertam anos finais do ensino fundamental e ensino médio.
O objetivo, segundo a deputada, é combater a precariedade menstrual, identificada como a falta de acesso ou a falta de recursos que possibilitem a aquisição de produtos de higiene e outros recursos necessários ao período da menstruação feminina.
De acordo com o estudo “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”, divulgado pelo Fundo de Emergência Internacional das Nações Unida para a Infância (Unicef) e pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), mais de 4 milhões de estudantes (38,1% do total de alunas) frequentam colégios com estrutura deficiente de higiene, como banheiros sem condições de uso, sem pias ou lavatórios, papel higiênico e sabão. Desse total, quase 200 mil não contam com nenhum item de higiene básica no ambiente escolar.
Ao nos depararmos com esses dados, é possível perceber também que não é só da falta de absorventes que essas meninas carecem, mas de outros instrumentos necessários.
Quando falamos de um país que em fevereiro de 2021 alcançou a marca de 27 milhões de pessoas em extrema pobreza, comprar um pacote ou até mesmo dois por mês de absorventes pode ser um item de luxo. Principalmente com a alta dos preços em alimentos básicos para a sobrevivência humana.
A justificativa do Executivo Federal foi que, apesar de ser meritória, contraria o interesse público, uma vez que não há compatibilidade com a autonomia das redes e estabelecimentos de ensino e não indica fonte de custeio ou medida compensatória.
Quando o presidente e equipe justificam que não é de interesse público, eles ignoram a porcentagem de quase 40% das estudantes brasileiras. O que é um número considerável, ou seja, quase a metade da população feminina em idade escolar sofre com esse problema.
Ao vetar os primeiros artigos, Bolsonaro vetou o último, no qual o custeio desses absorventes seria de fontes orçamentárias do Ministério da Saúde. Alegando que o objeto não se enquadra nos insumos padronizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
A medida, caso fosse aprovada, não ajudaria acabar com a extrema pobreza. Isso é fato, mas muitos têm usado isso como argumento para apoiar a decisão do presidente. Entretanto, garantiria a essas meninas a condição de frequentarem as aulas, já que durante o período menstrual muitas precisam faltar e perder conteúdo.
A longo prazo podem perder o interesse na escola, na educação e, consequentemente, o país perde centenas e até mesmo milhares de jovens mulheres que poderiam somar na construção de um Brasil desenvolvido.
A diminuição da desigualdade brasileira não virá com apenas uma solução. É uma construção de tijolo por tijolo, medidas por medidas que vão se somando. Garantir educação e acesso ao ambiente escolar deveria ser o mínimo em um país (população) que sonha em ver a mudança.
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Podem justificar que não cabe ao Estado ser responsável por essa área. Nesse caso, seria preciso alterar a Constituição brasileira, já que no seu primeiro artigo deixa claro que cabe ao Estado Democrático de Direito garantir a dignidade da pessoa humana.
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